a toca do Zé...entaipada
despojos do Zé num nicho da dependência
a porta descarnada que deita para o nicho
*
ENTAIPARAM A TOCA DO VAGABUNDO...
vagabundo sem toca não pode morar...
*
«««//»»»
*
aos cinco de Outubro de 2011
cem anos após a implantação da República
por entre discursos inflamados
que difundem avisos hipócritas
que apelam à coesão das almas solidárias
que demarcam no tempo
a crua realidade dum triste povo
Há séculos de si próprio procurado
o Zé da Arrábida
vagabundo até há pouco com beira
numa casa em ruínas
paredes meias com a junta
perante o silêncio de gente amodorrada
gente morta ou pela morte despedida
foi despejado sem apelo
da toca apodrecida onde vivia
aos cinco de Outubro de 2011
numa vila surreal frente a Lisboa
o Tejo manso a assistir
sem o edital de aviso democrático
onde se possa ler o insulto
um pedreiro cumpre a tarefa do coveiro
tapando a tumba com cimento
na ausência do Zé ainda moribundo
eis o Zé da Arrábida
porque não te lavas Zé
cortaram a água
porque não comes Zé
não tenho dentes
porque não te aqueces Zé
cortaram a luz
porque não vives Zé
cortaram-me as forças
aos cinco de Outubro de 2011
uma reforma cinzenta escura
com direitos devidos mas não reclamados
pétala rugosa na enxurrada
Zé vagabundo agora sem eira nem beira
chora sob a vergonha da República
que aplaude as conquistas já falidas
onde a coesão se afunda
Zé da Arrábida
Trafaria aos cinco de Outubro de 2011
onde o rio e seus despojos
se fazem imperturbáveis ao mar atlântico
uma página de cimento
fria e dura fecha portas e janelas
esgotada a paciência do seu dono
perante o silêncio da proximidade autárquica
e agora Zé
passam cem anos da República
quase tantos como os que nela viveste
foste à guerra combateste a ditadura
e não te verei ao amanhecer
no largo da praça à minha espera
onde o fumo do meu cigarro te alcança
na troca de dois dedos de conversa
autor: jrg
Sem comentários:
Enviar um comentário