17/05/2020

DESCONFINAMENTO - PARTE I



Um grito a rasgar o silêncio...
foto de jrg

DESCONFINAMENTO
PARTE I
*
vêem mansas hoje as ondas do mar
tantas vezes desavindas
elevam-se e servem-se do vento para nos salpicar
como beijos escaldantes de boas vindas
*
depois partem divertidas saltam alegremente
ondeando ao sabor da maré
se o mar é grosso rugem se manso docemente
vêem beijar-nos o pé
*
tanta vezes ante elas pesquei na noite de breu
o vento soprando de sudoeste
a canção do enchio quando volta para o mar que é seu
deixando um cheiro a maresia agreste
*
o mar é forte ele tem a força duma mulher
se o respeitamos trata-nos com doçura
mas se o maltratamos atrai-nos até ver
quanta força tem um homem sem ternura
*
canto porque me faz falta a alegria
solto gargalhadas loucas
sou aprendiz de viver às vezes real outras de fantasia
às vezes triste num mar de palavras chocas
*
aqui me vejo no desespero dum confinado
martelam-me a mente
palavras de esperança e veludo acetinado
não sei se sinto o que minha alma sente
*
esgravato nas palavras as mais profundas
e só vejo Paz Amor Humanidade
tanto bastava para varrer o lixo das cabeças imundas
e para autenticar o regime aberto da Amizade
jrg

Um grito a rasgar o silêncio...
foto de jrg

05/05/2020

ANSEIO UM NOVO ILUMINISMO OU O RENASCER DA ESPÉCIE HUMANA






Desenhos de Nuno Gonçalves
ANSEIO UM NOVO ILUMINISMO
OU O RENASCER DA ESPÉCIE HUMANA
*
como o homem primitivo
faço caçadas furtivas
caço numa grande superfície
passo rápido olho vivo
que o vírus não vai em cantigas
e o medo é próprio da espécie
*
a máscara protege-me o rosto
a lista de compras atenua a demora
percorro os corredores a correr
os olhos à procura do que preciso e gosto
as mãos ágeis como quem chora
sabendo que o tempo não é para perder
*
o carro cheio carrego os sacos
limpo-os com desinfectante
arrumo-os na viatura de transporte
perdi a lista esqueci os trocos
limpo os sapatos o casaco a mente
e rumo à toca mais a norte
*
a máscara aperta quase me sufoca
o corpo sua pelo medo agitado
regresso ao silêncio do confinamento
limpar os produtos que o vírus provoca
sinto a falta do mar alterado
com a pandemia colada ao pensamento
*
às vezes vagueio na raia da loucura
rompo o silêncio grito
mas ninguém me responde nem o vento
as notícias aumentam a amargura
os pássaros no quintal o cão o tempo infinito
sufoco na inquietude do pensamento
*
o mundo afunda-se num turbilhão
falham as comunicações
gente indiferente corrompe a ordem estabelecida
resisto a romper a barreira do paredão
onde o mar me espera para descarregar emoções
a organização da vida desmorona-se vencida
*
depois da tempestade vem a bonança
dizem todos os povos na sua ancestral sabedoria
não quero ditaduras nem ditadores
que o mundo e a vida renasçam como uma criança
o homem e a mulher na mesma sintonia
sem ganância sem guerras nem usurpadores
*
uma só língua uma só nação na terra
chamem-lhe Pátria ou Mátria eu chamo-lhe Humanidade
onde não há lugar a injustiça ou abandono
com normas incutidas que valorizem a paz em vez da guerra
que valorizem Amor e a mais ampla liberdade
a humanidade somos todos e livres sem grades nem dono
*
anseio pelo renascimento dum novo iluminismo
sem o servilismo a deuses e tecnologias
quero saber quem sou o que sou e o sentido que faço
quero ser um elo do todo sem absolutismo
de seitas secretas de facções ou obscuras confrarias
quero viver a vida a cada passo
*
jrg