Lembro-me de quando nasceste, a bacia da água quente e o teu pai encolhido a um canto,expectante de saber se eras menino ou menina, se berravas, se eras loira ou morena, se eras linda e a azáfama da tia Zéfa, a parteira do pequeno burgo que botava a mão em todas as cabeças que assomavam a toca de todo o mundo, a pedir mais água quente...O sangue a placenta, e tu já tão grande, os cabelos negros e a pele morena, gritando a alegria de respirar um tempo que ainda não sabias difícil.
Era um dia frio de Outono, folhas secas, fenecidas da estiagem prolongada , esvoaçavam de um para outro lado aos arrepios do vento que soprava agreste. Pescadores faziam-se ao rio, as águas mexidas, dificultando as remadas e o avanço lento das pequenas lanchas que partiam à cata do pão.
Lembro-me porque me contaste, porque te contaram, em registo falado, descrito ao pormenor de radiografia. Lendas do teu nascer.
A chamada grande guerra estava no auge da carnificina entre as várias facções que se digladiavam pela partilha do mundo e das suas riquezas, constituindo-se, o ganhador, como a potência hegemónica a quem todos prestariam vassalagem.
Havia duas concepções principais e que se destacavam pela violência dos gestos e das palavras: A dos opressores e a dos oprimidos. E tu nascestes do lado dos últimos, mas já dotada de um espírito rebelde e insubmisso, pela forma como reclamavas os teus direitos de viver.
Hoje faz anos que nascestes e eu quero saudar o ter-te conhecido anos mais tarde, então a mais linda das jovens deste burgo, que alguma vez os meus olhos haviam visto. O teu sorriso, as tuas gargalhadas de alegria, as palavras que te saíam bem sonantes, doces, cultas. E o teu corpo harmonioso, os olhos verdes de um verde raro porque imbuído de outras nuances de verde e de castanho. A tua pele macia e os odores do teu corpo que me prendiam de ti.
Faz hoje anos que nascestes, sem o que, não teria sentido a frescura do teu aroma, o cheiro cativante a sexo em plenos de cio, a magnitude do teu olhar sobre mim e a vida que nos predestinavas, os ensinamentos de amor que me proporcionaste.
Amámo-nos como nunca talvez alguém tivesse amado, numa simbiose perfeita de almas e corpos, consubstanciados numa vontade indómita de sermos um só ser em duas essências próprias, como se fôssemos duas almas e um só corpo com o mesmo objectivo de atingir um infinito de prazer.
Acreditamos no poder deste amor, sentimento de dentro de nós, que nos transformou em seres mandantes dos elementos de fora de nós. E revestimo-nos de protecção inflexível a todas as investidas adversas. Jurámos amor eterno e cumprimos, cumpriste.
Eu não, eu fui o ser mais abjecto, o personagem insidioso do romance em que transformei a nossa vivência. Omiti-te devaneios com outras mulheres. Infidelidades, traições. Alterei os conceitos para mos permitir e considerar que não ofendia a tua essência. Que permanecia intocável a nossa ideia de amor absoluto. E tu perdoaste sempre,magnânima da tua integridade, da tua sublimidade de ser mulher e bela. Vejo o teu porte altivo, inteiro de ti, insubmisso, afagando-me os cabelos com um sorriso de condescendência pelas minhas fraquezas e sorrio-me do teu nascimento, do teu destino de mim, como um só.
Hoje fazes anos, meu amor e ofereço-te um sorriso,uma flor que se alinda na cor dos teus olhos, ciente que me perdoas a mais aviltante das traições. Porque me interpretas como uma outra parte do teu ser, a mais fraca, mas de ti, indestrutível de ti. indissociável do teu ser e da essência que nos assimilou como um todo.
Parabéns, meu amor, vamos visitar as coisas simples que vivemos intensamente. A minha mão na tua mão, o vento sopra de sudoeste, e ambos sorrimos à vida que ainda somos.
No alto da falésia, o miradouro dos amantes, para onde corríamos despertos da liberdade de sermos pessoas, inocentes ávidos de tudo que nos parecia belo, a ver o sol que se evadia deste espaço numa festa de cores que nos envolviam nos beijos que apaixonadamente nos dávamos.
Descemos à praia. O areal já não é o mesmo, encolheu de tanta maldade que lhe fizeram, mas ainda há um espaço onde podemos amar-nos como nunca nos amámos antes.
E talvez no pleno do orgasmo uma onda atrevida nos baptize a sensação maior de nos amarmos.
Quero cantar hoje,que fazes anos a grandeza eterna de seres mulher. Mulher maior, como nenhuma outra que conheci. Mulher mãe, sem limites. Mulher amante, fulgurosa, luxuriante que me elevaste a paixão de ser amado.
Feliz aniversário, meu amor, tão jovem sempre no meu olhar......tão linda, tão bela no teu sorriso de esperança. Vamos viver!...
1 comentário:
muito tocante o que acabei de ler :)
Cheguei aqui por acaso..ou talvez nao...mas valeu.
"Feliz aniversário, meu amor, tão jovem sempre no meu olhar......"!
E que continue assim durante mtos e mtos anos sempre jovem e bela...para que os dois em um possam viver com esperança.
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