A tarde fresca de fim de Verão, o sol no ocaso em tons de amarelo envelhecido, indiciando frescura na aragem que corria de norte, nordeste, amena ,embora por vezes forte, apanhava os homens caminhando na areia molhada da borda de água em passo estugado, porque nisto de apanhar lance de feição, por cinco minutos se perdia, por cinco minutos se ganhava..
O mestre tem crenças. Convicções. É naquele preciso lugar, hoje, esta tarde. Se não for, mais valia ir embora. Se perder a maré, o lance, a vez .Se perder a fixação da sua ideia e o outro apanhar um bom lance de peixe, perder-se-á em tremulações de voz, acusando em abstracto tudo e todos. Mestre. O arrais da companha. Há quanto tempo na safra?
O mar está cavado, um pouco corso na rebentação. A atenção redobrada quando o barco se fizer ao mar.
Conhita, o olhar místico vagueando entre o chão e o mar. Esbracejando. Os olhos como que saindo das órbitas, meão de tamanho, a barba de pirata dos mares, farta em tons de preto com laivos esbranquiçados. Falava com Pedro, o poeta , por dizer poesias e frases idílicas.
Cristina viera com eles desde a vila. Estava de férias e envolvera-se numa espécie de namoro, uma amizade crescente, com beijos e abraços fugidios e porque admirava de Pedro a versatilidade de conhecimentos, o ser da Vila e este ir ao mar, numa pesca ancestral, que ela conhecia vagamente dos dias de infância, breves. Era Astróloga, casada com um Astrólogo e se mi divorciada. Isto é, tinham um acordo tácito de vivência em comum.
-Conhita!, disse Cristina, um sorriso largo entre o curioso e o trocista, mas um trocista ternurento. Os teus pais não gostaram de ti quando nasceste, ou o Conhita quer dizer algo muito à frente, que só um Uraniano compreenderia?
Conhita olhou para Pedro, franzindo a testa até que as gelhas se juntassem como uma só. E com um dedo na testa, apontado à testa.
-Pedro, pá!. Essa gaja é maluca, não? Eu cá sou de Marte. Fui visitado por Marcianos a noite passada, disse, olhando Cristina nos olhos.
Olhos lindos, de Cristina, castanhos, luminosos.
A companha estava pronta. O barco aprumado junto à água, chamavam os retardatários.
Conhita e Pedro aos remos. E Pedro para o arrais:
-A miúda pode vir?
- O mar está um bocado corso. Na sei .
-Ela é responsável, pah!
Olhou para o lado e sorriu, um sorriso malandro de aquiescência. Pedro ajudou Cristina a saltar e disse-lhe.
-Segura-te bem. Uma onda forte pode fazer-te saltar para o mar.
Cristina agarrou-se com força à proa do barco, olhando os homens aprumados aos remos como nas galés. Era uma experiência única.
A Lua em quarto crescente. Noite límpida. De terra os homens empurram o barco. As ondas que vêm vindo ajudam, os dos remos arrastam na areia. Formam uma força absoluta.
- Vai levado! Vai Levado Vai Levado!
Gritam os de terra. Enquanto os dos remos, gritam também, sob o olhar atento do arrais , na popa do barco, virado de frente para o mar, as ondas traiçoeiras na noite.
- Rema! Rema! Rema!, em esforço. Numa simbiose de força conjunta em simultâneo e o barco toma balanço, ganha força e vence a resistência das ondas.
De súbito, o arrais grita:
-Força, remem caralho!.
Os homens obedecem como uma mola, empertigam-se e broom. Violento o embate na frente chata do barco que o empina como um cavalo, uma onda maior, talvez a sétima que é a última de uma série continuada de arremetidas.
Pedro olha Cristina, branca pelo susto. Olhos nos olhos na noite de luar em crescendo. Resvalou um pouco, mas agarrou a corda do ferro, com quanta força tinha, num impulso.
-Tudo bem, amor?
E ela, entre surpresa e assustada. A lua agora no seu rosto bonito, E um sorriso confiante.
-Tudo bem, amor.
...
2 comentários:
Que lindo o final!
msm no meio de tantas atribulações o amor sempre está em primeiro lugar.
Ótimo texto.
Beijo!
Olá ju.
Tão querida a tua apreciação do texto.
Eu procuro cantar o amor em toda a sua plenitude. Penso que é o que vale a pena cantar. é o melhor que nos pode acontecer. Viver em amor.
Beijo!
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