07/05/2008

DROGA-A RESSACA

Era um quadro considerado importante. Pode dizer-se , um alto quadro de empresa farmacêutica , com direito a assessores e outras mordomias instituídas .
Telefonou a antecipar um período de férias por quinze dias
O dia amanhecera fresco, com o sol de uma cor amarelada a despontar por sobre a falésia, enquanto em frente o mar de infinito, a cor verde adensada, espelhada numa larga extensão até que a linha de horizonte , como um traço fino de lápis afiado, se esbatia abruptamente no alcance da visão .
Dormitara na cadeira em frente da cama onde o corpo dela meio despido se espraiava em movimentos lentos , quase doces , por vezes convulsivos. E acordava, ele, em cada instante, sobressaltado , olhando de imediato o volume pequeno mas visível dos 2 panfletos de droga em cima do pequeno móvel das fotografias.
Será que vou ser capaz ? interrogou-se no silêncio do quarto amplo e meio na sombra dos cortinados corridos que escondiam a luz, prolongando a ideia de noite.
O corpo da mulher jovem e talvez bela um dia , ainda, que já fora . Parecia-lhe mais cheio. Que a carne ressequida voltava a ocupar, muito lentamente, os espaços escavados pela fome de anos. Um corpo de mulher na sua cama de desimpedido, livre de grilhetas legais .
Ele e ela como um só, o pensamento dele a vogar um sentido, enquanto o dela imerso em sonhos de afogada salva no ultimo instante, permanecia inacessível a qualquer apelo da razão
Pensava na essência do amor , O sentido presente da significação da palavra enquanto entidade que lhes proporcionava uma oportunidade de redenção. A cama dele, onde vivera noites fatídicas de orgasmos múltiplos com mulheres carenciadas de afectos, perfumadas de aromas exóticos e que ao acordar pela manhã se mostravam na verdade puras de odores imcompativeis com a sua genética do cheiro.
Não havia perfumes adulterados naquele corpo de mulher e no entanto, o ar do quarto estava purificado pela maresia que entrava na fresta da janela e os inundava num amplexo terno e sedutor.
Levantou a perna, ela, num gesto descuidado descobrindo a púbis luzidia, os pelos emaranhados mas soltos, leves, seco de pruridos ou corrimentos o sexo de crostas ainda agarradas no clitóris engelhado, como sem vida.
Levantou-se aturdido pela imagem dum ontem que procurava esquecer e com um sorriso. ainda tímido nos lábios carnudos, foi preparar o pequeno almoço.
Estava acordada, quando voltou de tabuleiro recheado, e o melhor dos sorrisos, a dizer a palavra bom dia.
Recomposta, esclarecida da nova situação, mastigando cada pedaço, rebuscando na memória escaldante, justificações quase pueris.
Os pais separados. A preocupação com a carreira de cada um. O irmão que era a glória da família. Namoricos desinteressantes de adolescente fugidia. Uma mudança de escola intempestiva.
-Seria melhor avisá-los que está bem?
-Não. Puseram-me fora, acreditaram nas palavras de psicólogos imbecis.Que eu havia de me cansar da rua. Quando o que eu precisava era que me amassem sem reservas. Que atendessem ao eclodir de mim como pessoa. Que se confiassem em mim.
Parou. Os olhos febris e suores pelo rosto. Os olhos castanhos, chocolate, a olhar os panfletos em cima da mesa dos retratos. o corpo a contorcer.se em espasmos incontroláveis.
-O que foi? Ele, com mel na voz, quase ciciando as palavras.
Os olhos dela nos panfletos, a levantar-se, encolhida, agarrada a si própria, os braços magros em volta do corpo, a chegar à mesa, a poisar a mão no objecto de toda a fixação, o sonho, a libertação afrodisiaca. Um gesto brusco e o ar desvairado na procura, de quê, ainda.
Os olhos dele em ela, como que guiando o sentido da vontade.
-Não!. O tratado! Quase um grito alucinado, a fugir do nada que não sendo é quase tudo.
Voltou, deixando os panfletos no local exacto onde estavam. Não já para a cama, mas deixando-se escorregar em tremuras, num canto do quarto, o mais escuro dos quatro, continuamente agarrada a olhar aquele homem que não a quisera ter como tantos outros e a perguntar-se porquê. Que fazia ela ali, a sofrer dores insuportáveis. Se bastava uma simples dose do produto. E outra. E outra até à finitude de toda a matéria que ainda era.
Foram oito dias das férias. Fechados os dois, no quarto amplo de cortinas corridas. O comer encomendado pela Net. a langerie umas roupas bonitas para que se gostasse, os sapatos.
Três dias a implorar, ela , em delirios lancinantes. Por mais de uma vez segurara os panfletos entre as mãos trémulas e por entre soluços os largara.
Ao oitavo dia, ele tinha adormecido, por um momento. Acordou ao bater de palmas repetidas. O primeiro olhar foi para a mesa dos retratos. O coração em estrondos de batuques frenéticos. Desapareceram.
Olhou em volta e na expressão de espanto dos seus olhos, a imagem raiada de luz, em catadupas de luz, como um sol dos principios do mundo, intenso, espalhando sonoridades na luz. como se um coro de meninos entoasse uma canção de amor
O vestido vermelho cingido no corpo renovado de carne. Os olhos com uma expressão tão viva de felicidade. Sobretudo os olhos. Castanhos chocolate.
O vermelho sangue do vestido. O cabelo brilhante caído a raiar os ombros a descoberto pela cava do vestido.
Olhou a mesa. os panfletos que haviam desparecido. E o riso dela, cristalino, aberto, confiante a levantar a moldura de criança em cima da mesa, deixando ver os pacotinhos. o papel branco sujo.
Levantou-se, os olhos toldados e abraçou aquele corpo bem cheiroso de aromas únicos, naturais, as mãos dele nas faces da menina bonita que ela se transformara, macias agora, os braços, os seios a voltarem a uma normalidade estranha ao corpo de antes.
Abraçou o corpo em êxtase.
-Minha menina! Minha menina! Como tu estás linda e vistosa.
Como eu amo o que tu és agora. Um amor diferente de todas as espécies de amor. Um amor da ideia que consubstancias na forma do teu ser absoluto.
Vou amar-te e mimar-te sem limites.

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