23/09/2008

O DIA " D " DA ALMA APAIXONADA -Parte II

..Para Samu era um dia fabuloso de glória. Não fora ele que a seduzira, que a procurara especificamente, singularmente, fora ela que viera, se despira de preconceitos e lhe confessara as desditas da sua vida sem rumo e lhe dissera que o amava e que queria consubstanciar essa paixão que sentia diluir-se em amor profundo e continuado, num projecto duradouro rumo ao sonho de ser feliz. Apaixonara-se das palavras que ele editava em espaço publico.
Ele recusara a facilidade das soluções que ela determinava. Era ela quem queria dominar. Dirigir uma relação que ela impunha porque só podia ser verdade que ele a escolhera, ou que através dele alguém ou algo os escolhera para seguiram juntos e amantes.
Fez-se mouco. Sentia que ela era uma alma poderosa, inquietante, sedutora para o estudo que se propusera das almas superiores, mas teria de a por à prova, fazê-la esforçar-se por acreditar consistentemente. Não podia ser como um devaneio. Queria que fosse algo intrínseco, inabalável estruturalmente pleno em toda a sua essência. E estava à beira de o conseguir. Insistentemente foi moldando a personalidade dela, desfazendo certezas. Alimentando convicções que ela transformava em certezas mas já não as dela ainda que lhe parecessem dela.
Seduzira-a na alma e em toda a matéria do corpo com as palavras que lhe escrevia em directo ou subliminarmente, mais estas últimas, as interpostas nas entrelinhas dos textos que lhe redireccionava ao interior da mente. Ele não considerava este método como de manipulação das almas, preferia defini-lo como uma indução consciente à consciencialização das almas.A Psicologia da alma. Ele rebatia as pretensões dela e alimentava o sonho. Indicava caminhos em que ele aparecia distante. Distanciava-se do sonho. Mas era ele o próprio sonho. Agora Sorria. Um sorriso estranho. Enquanto fixava a beleza daquele corpo que se desfazia em simpatia, em sorrisos abrangentes e olhares receosos. E dizia-lhe com os olhos que nada temesse.
Finda a sessão, em verdadeira apoteose emotiva, combinaram encontrar-se no Hall do hotel onde ela se hospedava.
Cristina seguia ao lado de Vitória de rosto fechado, sorumbática, evasiva e distante. Vitória respeitava o seu silêncio.
Anastácio Bandarra era o outro por quem Cristina se apaixonara ao ler as palavras que ele escrevia numa das publicações da cidade e que lhe pareceram tão iguais na forma, na substancia e no sonho que as envolvia.
Anastácio Bandarra era um homem conhecido pelas suas predições alucinadas sobre os tempos que ai vêm. Era um apaixonado de tudo o que cheirasse a fêmea, até bosta de vaca!.. era uma delicia de aroma, porque no feminino..Falava do amor ao outro com uma paixão inusitada que confundia as almas carentes. Ele próprio era um homem carenciado de afectos, mas de seu, só tinha as palavras. Cristina lembra-se de quando ele lhe dissera que era mentira a ilusão que o Sol e a lua se possuíam a quando do eclipse. Era apenas sombra, dissera . Ainda que parecesse, que nos transmitissem essa ilusão afrodisíaca, estavam a milhões de anos luz de distancia. O Sol e a Lua nunca se tocam, amam-se, mas não se tocam. Porque pensava agora nele se decidira que não queria lembrar mais esse devaneio?
_Gostei da festa, estavam todos tão alegres!...
Vitória olhou-a de lado e fez um gesto com os ombros, um piscar de olhos incrédulos.
_Cristina!...Mas tu estiveste na festa? No interior da festa?...
_Vitória, diz-me: Achas que olhar de baixo para cima é o mesmo que olhar de cima para baixo?
_Olha que eu estou a conduzir!...Se continuas com essas perplexidades metafísicas ainda me descontrolo...
_ Desculpa...
E voltou ao silêncio, a Anastácio Bandarra, Bandarra era alcunha, foi o que ele disse quando lhe perguntou se era nome de gente. Advinha dum seu costume de juventude de imaginar os acontecimentos do presente, valendo-se dos conhecimentos do passado. Sorriu. Sem querer, surgiu nos seus lábios, um sorriso erradio, como um gesto desavindo de si, do interior do ser.
Tão parecidos e tão distantes. Quisera vê-la um dia que ficara na cidade. E ela pretextou a sua concepção de infidelidade. Que o amava demasiado profundamente para resistir a um encontro. Que se iriam envolver irremediavelmente em actos de sexo e ela não queria trair o ainda seu marido. Mentira-lhe. Só o amava na ilusão das palavras. Era um devaneio, algo que esse algo misterioso interpusera no caminho da sua alma sofredora, para que definitivamente se decidisse. Estava convicta que tomara a decisão certa.
Chegaram e Vitória disse-lhe que estava atrasada. Se ficava bem. Se precisasse desse-lhe um toque, dentro de uma a duas horas estaria disponíuvel.
Vitória, tão bela, misteriosa, enigmática de um secretismo que a envolvia numa aura transparente mas brumosa, sedutora.
_Não amiga. Fico bem, vou tomar um duche e passar em revista tudo o que vivi hoje.
_E o Samu?..
_Logo se vê!... e riu-se despudoradamente em frente da porta do hotel, do lado de fora.

continua...

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