É intenso o brilho do Sol na manhã fresca desta Primavera que tinha surgido ventosa e húmida quando há dias se iniciou o seu percurso , ciclo, anual.
A mulher era linda, bela no conjunto do seu esplendor. Os cabelos soltos, escuros, talvez negros refulgindo do Sol. E vestia um vestido negro de estilo imperial, Yves Saint Laurent. A sombra projectada no chão à saída de casa. A carteira de pele, em tons negros e branco. Branco era o casaco curto que trazia sobre o decote do vestido. Os óculos escuros de uma marca, por certo, conhecida e marcante de moda.
A pele clara escuro, ou moreno claro, a adivinhar-se macia. Sensualidade é a palavra adequada ao sentimento que nos subjaz da sua aparição há porta de casa e nos gestos com que procura a chave do carro azul estacionado na via junto ao passeio, um BMW série 5, último modelo, cujas performances ela sempre enaltecia nas conversas entre amigos.
Era o seu carro preferido pelo conforto, a técnica utilizada na construção do modelo e que permitia tirar partido de todas as suas potencialidades, velocidade versus segurança.
A morena do BMW tinha um toque especial de personalidade que deixava sobressair, na forma de andar e como olhava, de cima para baixo, ou em frente de si. Sensualidade. Confiança. Personalidade forte.
Entrou no automóvel com elegância e sentou-se no banco de pele macia e de cor creme ,o cinto de segurança , o motor a trabalhar numa cadência sussurrante e o arranque suave, moderado.
Na auto estrada que a trazia do Norte para Lisboa, uma mulher como tantas num carro potente e elegante, confortável, mas não só, porque era uma mulher pensante e que se tinha em conta na essência do ser.
Era uma mulher casada, com filhos e em desespero de amores impossíveis. No limite de si própria, ou no infinito do limite se considerarmos como limite o céu ou o pensamento que nos corre em paralelo com a razão.
Amar um outro que advém de se sentir em desequilíbrio na relação amor dever que mantém e de não saber conciliar a estrutura conseguida, estável ainda que desapaixonada, monótona, com o fogo intenso de uma paixão surgida em paralelo, ou em despique e desperdiçada por motivos mesquinhos ou de efeitos contrários em emoções factuais no momento da decisão.
O carro voa com a força do pensamento em abstracto da condução, ultrapassa os limites, amortece um pouco, preocupa-se num instante da realidade. E surge-lhe um sorriso nos lábios rosados, húmidos, sensuais.
É jovem, ainda, os seios firmes e a carne seca de efeitos excessivos .
O seu carácter não se coaduna com mudanças bruscas e inseguras. Por um lado a necessidade absoluta de querer tentar a sedução de uma evidência que a consome, que lhe dói, que quando confrontada em aparições públicas a faz estremecer, inflectir de si conceitos e temores antigos. Por outro, a lealdade a um projecto que sente do outro lado de si, o marido que tem do amor a ideia perene, sem um limite, ao correr do tempo e dos silêncios e que não vê nela a ambição de si, de ser reconhecida como um fim máximo de si, que precisa de elogios e de sentir força emotiva nas relações. Paixão.
A imagem sedutora carro mulher, mulher carro, como um só pensamento da imagem que nos fixa e nos ultrapassa, porque dois corpos distintos-
E depois, esta obsessão de saber se o que sente é traição, por amar um outro que não o compromisso. Mas como traição se não teve nem quer contacto físico que consubstancie um acto que projecta na mente , mas que recusa dentro do estado em que se situa, casada, mãe de filhos. E como conciliar na sua mente que ama o marido e faz amor frequente sem a interferência de oníricas imagens do amante que sente em si mas que de si não se transmite. E como reconhecer que não se transmite.
Leva as mãos à cabeça, num gesto que indicia a tentativa de afastar ideias confusas. E volta à raiz do problema: se eu não faço sexo com a pessoa. Se eu quando faço sexo com o meu marido, o amo e tenho prazer e não penso em mais ninguém. Se eu apesar do que sinto, amo o meu marido. Amarei? Amo!
É como se este amante fosse um exterior de si, uma outra mulher que conseguiu isolar de si, um outro amor, uma paixão que a satisfaz , mas que não interfere com a personagem que é mãe e esposa.
O que ela sente é de fora da casa. É de fora da família que tem e ama. É um exterior de si interiorizado em abstracto num outro recanto da sua essência e que não pesa na mulher do BMW azul. É como se possuísse duas almas que se distanciam e se reúnem em momentos a sós, como este, para se confirmarem na sua infinitude, enquanto linhas paralelas.
É isso, no emprego não assumia uma outra personagem? E em quantas situações se apoderou de criações próprias para se reforçar e se expandir em outras direcções, quantas vezes opostas?
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