18/07/2010

DA MEMÓRIA

no ano bom de sessenta e nove
Outubro agreste e seco uma aura de esperança
o Lauri tinha vindo são ileso
da guerra fratricida que abominava-mos
de onde eu já chegara um outro tempo
e outros haviam de partir ainda
"barcas novas tem Lisboa"triste agonia

houve festa rija e maldicência
do regime e seus lacaios
entre petiscos e doces o vinho ia vencendo
a juventude ardente o remoinho
confiada na mudança a unidade dos sentidos
ventos de Maio 68 a liberdade
a vila pitoresca onde crescemos

era preciso levar a Gina a minha amada
três quilómetros de distância
na rua já deserta dissemos vivas
em jeito de desafio confrontação positiva
a Salazar à Nação aos piedosos
Angola é nossa!...e riamos... Angola é nossa!...
o que importava era o ruído

veio o policia o gordo olhar mortiço
mais bêbado que qualquer de nós
que estávamos a violar a ordem pública
que eramos muitos... e contava-nos pastoso
gritámos que eramos patriotas
festejavamos o regresso de amigos
vindos da guerra a intocável toda poderosa

estava na hora da última carreira
levar a Gina a casa como se fosse o último gesto
entrámos num tropel grunhido
e recusámos pagar bilhete porque viemos da guerra
o cobrador que não..que era preciso pagar
ou iamos parar à esquadra e seguiu
na direcção da dita ante a nossa intransigência

na esquadra o gordo mais o chefe
que perturbávamos a ordem pública insurreição
mais que três... eramos doze melhor ir descansar
e nós que não... somos patriotas 
gritamos vivas à Nação aos agiotas...
os vivas de vocês conheço bem disse o chefe
são pejorativos à luz de toda  a lei

e lá fomos mandados em paz condescendência
levar a Gina a casa madrugada a pé
a estrada solitária entre áleas de arvoredo
o cheiro dos pinheiros... eucaliptos...acácias
a Nela cantava fado o Vieira o Mustafá aos bravos
a Irene ria-se tão bela...porque morreste amiga?
que guerra a Leucemia te travou a vida

autor: JRG

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