a uma menina que sonha
Amanhecera claro, o dia, com o sol a tremelicar por entre nuvens que se esfumavam ao sabor da brisa que soprava de Nordeste, por detrás da montanha coberta de uma camada fina de neve.
O sincelo que cobria as árvores, dando-lhes um aspecto maravilhoso de bondade Natalicia, era como cristais de vidro resplandecente aos raios que do sol se expandiam alegremente.
Era um dia de paz, uma trégua instituída desde há séculos, assumida pelas mentalidades, desde a mais violenta, de modo a que um pouco de amor, de concórdia, de cinismo, tudo de mistura, se evidenciasse da amálgama de interesses, se evidenciase da materialidade onde o ódio e a impostura de principios reinavam na arrelia dos dias.
Maria Antónia tinha esperado este dia como o culminar de uma acção que preparava há anos, que se construía dentro dela, que sobressaía das atitudes. Ter atitude. Arrumar as ideias fervilhantes e confusas que a atormentavam, que a impediam de ver além do quadro negro que pintara nos últimos dias.
O namorado delsiludira-a. Dissera-lhe até que se tratava de um capricho, o facto de ela querer que ele deixasse de passar a consoada de Natal com os pais. Ela pensava que era possivel passarem os dois de uma forma diferente essa noite mitica. Sonhava com uma ceia a dois, enamorados, num restaurante de prestigio que a fizesse sonhar que já tinha ultrapassado, todos os obstáculos que sentia , a Universidade, o seu projecto profissional, ser mãe, sentir -se amada em toda a infinitude do seu ser mulher, e era ainda uma jovem que acabara de fazer dezoito anos...mas sonhava e, de tão mimada, tomara o hábito de satisfazer todas as suas aspirações.
O sonho acabaria num dos quartos da casa que ele tinha vazia do outro lado do rio, casa de férias da família, onde fizeram amor pela primeira vez.. Vazia de gente, e tão confortável que apetecia habitá-la, fazer dela a sua casa dos sonhos onde se encontrariam sempre que o desejo surgisse do interior do corpo e suplicasse à alma.
Deixara-a na dúvida se o faria. E era o que mais a perturbava, não ter certeza, certezas de nada, no momento em que pensava sobre si, dúvidas, dúvidas. Estaria certa na carreira que escolhera? Sentia falta de algo de mais substancial, de uma confiança extra, de fora de si, dissipadora das contradições que lhe afloravam a mente, a comprimiam , sufocavam.
Sentia a cabeça oca, como se tudo o que a compunha, o cerne de todas as decisões, tivesse desaparecido e a deixasse desamparada, indecisa, sem a vitalidade que a tonara respeitada entre colegas, amigas e mestres.
Maria Antónia tinha uma simpatia especial pelo seu mestre de comunicação escrita. Era um homem maduro que ela admirava e sentia até uma atracção subtil pelos seus cabelos louros , o seu ar de quem não receia nada, sereno, risonho e de palavras suaves e quentes que, quando o ouvia o seu pensar parava e o coração batia apressado. Mas era uma emoção diferente que não sabia explicar, diferente do que sentia com Pedro, o formigueiro no sexo, o desejo intenso...
Prguntara-lhes como iam passar o Natal, as famílias e dissera dele próprio que era com indiferença que olhava a quadra desde que, há anos, um acidente o deixara sem os bens mais preciosos, a mulher e a filha pequenina... Que sempre olhara o Natal como uma quadra propícia ao desenvolvimento do comércio, hipócrita e inibidora dos reais sentimentos que o homem mantinha encerrado no mais fundo de si. Um comércio dos sentimentos genuinos da criança ou da dádiva. Um dia instituido para dar, para a concórdia, para o perdão...
_O que vem ao de cima, o que se diz no momento, o que se faz, são apenas aflorações da razão,de algo que o incomoda, fruto, talvez, de incómodos que o atormentam pela sua trajectória individualista e material. _ E terminara com um feliz Natal pra todos.
Maria Antónia tinha essa afeição especial por Daniel, assim se chamava o mestre, que não sabia explicar muito bem e pensava nele, neste momento de si, em que revia os últimos acontecimentos com o seu namorado e se perguntava o que era na verdade ter amor, ser amada , amar. Se eram apenas palavras cujo significado se alterava na medida das conveniências, se amar não seria o mesmo para todas as pessoas.Se era apenas ter sexo, ou se consubstanciava em sexo, mais sexo, mais amor, infinitamente...ou se, por outro lado, era algo de transcendente, sentido pelos dois seres amantes, como que vindo misteriosamente do fundo da razão, un gene. Haveria um gene do amor, que se identificava com o o do outro, só perceptivel entre eles, genes, como se de um chip, uma transmissão cósmica de dentro do corpo ou da alma, inexplicável, intangível de fora de nós.
Sentia-se magoada com o Pedro Miguel, seu namorado. Sentira mesmo um gesto de enfado, ou de superioridade, como se a ideia dela fosse tão infantil que não merecia outro tratamento que não a rejeição pura e simples.
Maria Antónia estava nestas deambulações da mente, bela no seu cabelo loiro escuro, os olhos castanhos claros, a pele clara, fina, o seu corpo estava tenso, os lábios moviam-se inquietos. As mãos em gestos desapontados, como se falasse com alguém
Tê-la-ia deixado de amar? ele que a tivera em tantos momentos de deliciosas aventuras pelo corpo, os sexos, as experimentações, a aventura do desejo, a procura da satisfação total, incessante, porque havia sempre algo que ficara.
Tinha muitos amigos e amigas, que a adoravam, as sua prédicas bem falantes, o seu sentido de humanidade ante as injustiças, o seu vestir elegante, o perfume, os adornos de peças únicas da ourivesaria Portuguesa.
_Olá!..por aqui?!...
Daniel viera comprar alguns ingredientes para a sua noite de natal. Era um homem de mediana estatura, elegante no porte e vestia com esmero, um fato de estilo clássico, moderno, azul escuro, a camisa azul claro, o sobretudo preto e o cachecol, o cabelo louro e os olhos num tom claro de azul celeste. Era um homem de aparência alegre, de quem se gostava à primeira vista, comunicativo, conhecedor dos temas que aflorava e tinha um sorriso encantador. Olhando-o atentamente, ver-se-ia uma ponta de tristeza nos seus olhos.
Há vinte anos que cumpria um ritual, comprava a ceia de Natal, dispunha os acepipes pela mesa posta com delicadeza, os três lugares, as fotos delas ante cada prato, viradas para ele, do outro lado da mesa, em frente da janela de vista alargada sobre o rio. Colocava a música preferida do seu amor e comia, lentamente, pela noite dentro e meditava na ausência silenciosa dos entes que perdera mas que se perfilavam ali na sua presença, eternos em si e de si, elas, as suas flores de infinitos aromas . Os presentes dispostos num dos cantos da sala e a árvore de Natal com as luzes cintilantes que a mais pequena adorava.
_Professor Daniel, mas que surpresa agradável!...
Levantou-se e beijaram-se nas faces, sorridentes, luminosos os olhos e os sorrisos, numa combinação perfeita.
_Então menina, são 21 horas e a ceia de família?
Ela perturbou-se um pouco e de repente soltou as palavras como Daniel ensinara, um mote interior, de dentro, que se solta e parte à desfilada como cavalo espavorido, contou a recusa de Pedro Miguel, de como pensara uma noite diferente, provocantemente diferente, porque afrontosa dos conceitos instituídos e de como ele a recusara, se recusara e ela resolvera mentir à sua família dizendo que vinha com ele, que era maior e queria ser ela a conduzir a sua vontade.
Daniel Olhou Maria Antónia com emoção, segurou nas mãos delicadas que ela mantinha sobre a mesa do café, em cima da mala de pele escura. Quentes e macias, as mãos, a pele suave, mãos de menina.
_Queres passar a ceia comigo?...não...é melhor não...ou por outra, se quiseres, vem.
Maria Antónia olhou para ele entre incrédula e sorridente.
_Professor Daniel, hesitante!... não o reconheço!
Soltou uma gargalhada juvenil, em crescendo de melodia que o contagiou , o levou ao riso, alegre. Há quanto tempo não se ria assim, deste modo estranho, comunicante, efusivo?...
Cearam à luz de velas em silêncio. Apenas os olhos se cruzavam por momentos, os dois lugres ocupados plas fotos de corpo inteiro e ela, Maria Antónia, num espaço entre as duas, luminosa, solta, ruborizada pelo champanhe. "Que faço aqui?...Que sou ou represento?, mais confusões na minha cabeça, não..."
_Fez-me bem que tivesses vindo. Ela teria hoje a tua idade. És linda, inteligente, o amor é um sentimento multipessoal, amamos a pessoa a coisa, como se fora algo de nós. Não há amor fora do nosso próprio sentir em nós. Queremos ser e ter, mas só sendo podemos aspirar ao ter. Eu digo ,ás vezes, que o ser anula o ter. O ser é já em si bastante. Ser amor, uma bola infinita de amor.
Fumavam os dois no limiar da porta de acesso à varanda, um extenso terraço com vista para o rio. A noite gélida antes parecia aquecer os corpos esquecidos sob o umbral. O céu estrelado e limpo de nuvens.
_Daniel, isto que eu sinto, que sentimos, também é amor? Que tipo de amor?...
Ele abraçou-a e uma das mãos afagou-lhe os cabelos longos, seda macia e aromados e os dedos dela sobre as costas de Daniel. Um abraço de amor, os beijos dele sobre os cabelos, as lágrimas que se evadiam dos olhos de ambos, não eram dor, nem alegria, era um amor de dentro uma outra e estranha forma de amor...
FELIZ NATAL!
6 comentários:
Um Feliz Natal para ti e os teus.
Desejo um feliz ano de 2009, com tudo de bom.
Abraço,
António Rosa
Bonito este conto de Natal :))ou direi antes bonito este conto de amor??
:))
que o Natal tenha sido cheio de afectos e mimos doces...daqueles que "engordam" a alma*
Rui.
Tudo bom para ti este ano ímpar.
Dizem que os anos ímpares são bons para o amor e os negócios, a mim, no amor, calhou-me sempre em ano par...
Um abraço amigo
António.
Há quanto tempo?!...perdoe por só hoje...desejo um ano de 2009 pleno de realizações pessoais.
Um abraço amigo
maria lobos
tudo o que escrevo e penso
que seja um entender amigo
que seja amor profundo imenso
que na alma brilhe contigo
porque é ao amor que pertenço
e outro cantar assim antigo
do ser que sendo eu conheço
é o cantar amor que persigo
Beijinhos de amigo
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