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ERA UMA VEZ UM POVO!
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contaram-me uma história histriónica
quando eu era menino
que começava sempre assim
era uma vez um povo
que tinha na alma o desígnio de deus
que pela espada libertou
de hereges vilões e sarracenos
as terras de Portugal
mas a terra era dura o mar salgado
é que era a aventura de
achando confiscar os novos mundos
*
era tão de tanto o sem sentido
que a realeza dispunha
o discricionário poder de repartir
terras e forais hereditários
entre fidalgos curas e lugares-tenentes
às vezes tirando ao povo
por intriga ou avareza desmedida
obrigando os já sem nada
a encher as caravelas que iam às descobertas
assim se fez o império
com bombardas espada e cruz ao peito
*
o povo era cruzado de mal-quistos
desenrascado manhoso
vivia pobre no fausto da astúcia mesquinha
não ia em cortes que o poder era divino
antes gritar um morra à heresia nas fogueiras
da santa santíssima inquisição
que criar um feudo próprio de poder à revelia
que lhe desse outro sustento
depois descarregava na mulher o desvario
de não achar o justo dividendo
semeando filhos sem cuidar do seu sustento
*
um dia veio a República era Outono
vestida de falsa mulher
davam-se tiros à mesa do café e no terreiro
a massa de povo era a mesma
a cáfila das elites escolhida entre letrados
tomou de pronto a direcção
de conduzir o rebanho a um ponto indefinido
munidos da ciência do saber
criaram leis que fixaram curtos os limites
de alguém subir por mérito
ao pódio do poder sem lhes dar jeito
*
o povo era rebelde e contestava
que a liberdade era ilusória
movido pela intriga soez tão difamante
exigia mais repartição
os sábios mal sabiam governar-se
quanto mais à ínclita nação
foram a pique dando lugar à força bruta
que pôs fim a toda a discussão
deus pátria e família era a nova ordem
que fez de mim povo fora da lei
fui ver a narrativa mas doutro mirante
*
vi que a história que me contaram
era histriónica sem valor real
nem o povo era valente nem a nação gloriosa
somos gente comum a tanta gente
forjados a roubar terra e riqueza alheia
cruzámos inveja com cobiça
entrámos na usura com hábito de religião
mas coesos na postura de parecer
entrámos numa acalmia de fartura faraónica
até ouvirmos falar em bancarrota
borrados de medo entregámos a vida a criminosos
*
e agora que fazer povo idiota?
enquanto uns esperam
pela vinda misteriosa dum messias qualquer
e outros esgrimem ideias falaciosas
alguns desesperam vítimas dos fora da lei
todos a pensar na barriguinha
ninguém abre mão da coragem dantes exaltada
"puta só ladrão só..."
quem tem pernas anda quem não tem soçobra
às urtigas a solidária fraternidade
nem o humanismo se amanha com tanta divisão
*
o que tem força de lei é a razão
centenas de milhar de pensionistas esbulhados
centenas de milhar de desempregados
uma economia paralela vibrante em contramão
enquanto a outra definha
e se enche a tulha financeira do ladrão
numa engenharia Dantesca
a mesma que destruiu Babel de Babilónia
um cavalo de Tróia na humanidade
basta de palavras que não sejam de insurreição
antes pastores da Lusitânia
que vítimas ingénuas desta tenebrosa tirania
jrg
autor do livro: "A Insurreição das PALAVRAS"...porque não?...