05/10/2011

ENTAIPARAM A TOCA DO VAGABUNDO... vagabundo sem toca não pode morar...


 a toca do Zé...entaipada 
 despojos do Zé num nicho da dependência
a porta descarnada que deita para o nicho

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ENTAIPARAM A TOCA DO VAGABUNDO...
vagabundo sem toca não pode morar...
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aos cinco de Outubro de 2011

cem anos após a implantação da República
por entre discursos inflamados
que difundem avisos hipócritas
que apelam à coesão das almas solidárias
que demarcam no tempo
a crua realidade dum triste povo
Há séculos de si próprio procurado

o Zé da Arrábida

vagabundo até há pouco com beira
numa casa em ruínas
paredes meias com a junta
perante o silêncio de gente amodorrada
gente morta ou pela morte despedida
foi despejado sem apelo
da toca apodrecida onde vivia

aos cinco de Outubro de 2011

numa vila surreal frente a Lisboa
o Tejo manso a assistir
sem o edital de aviso democrático
onde se possa ler o insulto
um pedreiro cumpre a tarefa do coveiro
tapando a tumba com cimento
na ausência do Zé ainda moribundo

eis o Zé da Arrábida

porque não te lavas Zé
cortaram a água
porque não comes Zé
não tenho dentes
porque não te aqueces Zé
cortaram a luz
porque não vives Zé
cortaram-me as forças

aos cinco de Outubro de 2011

uma reforma cinzenta escura
com direitos devidos mas não reclamados
pétala rugosa na enxurrada
Zé vagabundo agora sem eira nem beira
chora sob a vergonha da República
que aplaude as conquistas já falidas
onde a coesão se afunda

Zé da Arrábida

Trafaria aos cinco de Outubro de 2011
onde o rio e seus despojos
se fazem imperturbáveis ao mar atlântico
uma página de cimento
fria e dura fecha portas e janelas
esgotada a paciência do seu dono
perante o silêncio da proximidade autárquica

e agora Zé

passam cem anos da República
quase tantos como os que nela viveste
foste à guerra combateste a ditadura
e não te verei ao amanhecer
no largo da praça à minha espera
onde o fumo do meu cigarro te alcança
na troca de dois dedos de conversa

autor: jrg






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