10/01/2010

QUANDO O CORAÇÃO ACELERA - UMA MULHER

há um homem velho moreno encostado ao pilar
no meio de gente na sala de todas as esperas
aguarda a sua vez uma voz ou a vez de alguém
há uma ausência quando fixa em cada um o seu olhar
e pessoas que se movem em volta como esferas
buscam talvez calor no gelo que o petrifica e sustém

há um homem de gelo na sala do desespero
envolto na solidão dentro do mar de gente
retém o ar quando o som que chama se faz ouvir
procura estar lá dentro seguir os passos o esmero
com que tratam o ser que é nele e nele se sente
de cujo amor na infinitude se alimenta o seu sentir

há dez doze mulheres de negro de origem ciganos
um frémito percorre o corpo frio do homem
são velhas maduras jovens de negro crianças
e gritam à alma que voa uma ladainha de enganos
morreu era marido pai tio, avô de uma jovem
que as lágrimas sentidas atraem esperanças

há um contraste gritante entre as mulheres que gritam
e os seus homens que num grupo áparte discutem negócios
na sala de novo repleta o alarido é de conversa trocada
no átrio as ambulâncias não param os motores que infestam
o ambiente e os pulmões de quem aproveita forçados ócios
o homem sem fogo aquece o corpo na friagem da noite estrelada

o tempo passa a sala de espera enche e vaza
um corropio de sons vozes que ecoam, sussurros
o homem sente a memória em intrépida viagem
a infância o mar o vento meninos o cheiro da casa
a guerra a formação do ser os anos maduros
o amor a saudade a terra que gira sempre em vantagem

na urgência funciona a democrática triagem de Manchester
fitas azuis verdes amarelas laranjas vermelhas
as ambulâncias chegam com as luzes piscando emergência
há gente que espera há horas tardias por um comprimido em blister
cheira a vómitos em desespero e a carnes velhas
o homem sereno agita-se dá passos em volta da sua ausência

há um coração que bate lentamente e por momentos acelera
um pulso de fraca batida que pode súbitamente parar
terá sido de tanto amar ou de sofrer em uma das tragédias
há horas de pé e sem noticias concretas o homem pondera
quando de súbito houve o seu nome na voz de encantar
abraçam-se e beijam-se por esta escapou às arritmias

autor JRG

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