17/10/2009

NA VILA ONDE EU MORO

na vila onde eu moro
vejo a outra margem do rio
há uma rua de escarros sem decoro
vejo de Lisboa imponente o casario

a rua desce desde o largo da igreja
até ao rio com Lisboa à vista
chão escuro laivos de muco para que se veja
que escarrar no chão aqui é uma conquista

dum lado casas de pasto humano
do outro ninhos de gente que na vila habita
sentados no chão velhos de olhar insano
no lusco fusco da vida que a morte regurgita

na vila onde eu moro
nem tudo é morto ou escarro
há natureza e o rio na base do morro
e gente feliz que se ri em cada bairro

há marchas maledicências romarias
homens de senso raro mulheres belas bonitas
há sábios que lêem no céu as ventanias
e cães abandonados por famílias catitas

no rio arrastar ameijoa pesca violenta
entre outras pescas duras ancestrais
na margem meninos de escola e gente que acalenta
no ar adejando gaivotas mergulhões maçaricos reais

na vila onde eu moro
gente que diz bom dia sempre que escarra
extraída de dentro a cava maldição o soro
renovada a esperança na uva que cresce na parra

chilreiam andorinhas, pardais grasnam gaivotas
melros estorninhos pintassilgos voos rasantes
nas Primaveras memória dos ninhos em suas rotas
exultam ao sol emplumados em ritos amantes

o rio de águas mutantes e densa corrente
atravessa vilas cidades estreita rasga montanhas
chegado ao mar estanca no estuário laxante
trocam-se de amores ressuscitam vidas estranhas

na vila onde eu moro
há um tudo e um nada que apetece viver
cada alma é de senso comum um justo foro
onde a vida e a morte se adiam ao escurecer

autor:JRG

4 comentários:

Graça Pereira disse...

Retrato completo de uma vila, com o seu encanto,as suas dificuldades,as suas vidas e até com a sua maneira de ser.
Gostei de ler, senhor Poeta!
Um beijo
Graça

Maria Ribeiro disse...

JRG: é igual, na pequenina cidade onde moro! Gosto especialmente do, como que resumo, da sua última estrofe..."há um tudo e um nada que apetece viver cada alma..."
A vila ou a cidade são o retrato de cada um dos seus habitantes, dos seus mundos interiores...
BEIJO DE LUSIBERO

tem a palavra o povo disse...

Olá Graça Pereira.

que belo numa mulher a graça
faz sorrir no seu rir prazenteira
é alegria que espalha pela praça
doces aromas do fruto da pereira

traz nos olhos a saudade de lugares
na alma sentires que já perdoou
move-se na pressa de sábios vagares
agita ventos no tempo que a mudou

vem graciosa suculenta poesia
traz no regaço raminhos de flores
é a bonança que sucedeu à maresia
no radiante pereiral os seus amores

Tentei sorrir com o teu nome e acho que isso consegui, mas ser poeta é muito mais difícil, gostei das tuas palavras.
Um beijo

tem a palavra o povo disse...

Olá Maria Ribeiro. És uma lufada de ar fresco que agita a rama e frutifica os frutos.

fomos criados em hábitos rotineiros
educados por pais avós e mestres
dentro de casa na rua nos mosteiros
logramos decifrar riscos rupestres

todo o lugar aldeia vila cidade
é uma amálgama de usos e costumes
a lusa gente tem a particularidade
de invejar aos outros seus perfumes

o teu lugar e o meu são similares
ambos fomos brindados de alegrias
as diferenças são comuns singulares
nada que não amanse nossas maresias

Um beijo de joão raimundo