29/10/2008

PARABÉNS - MEU AMOR!...

Lembro-me de quando nasceste, a bacia da água quente e o teu pai encolhido a um canto,expectante de saber se eras menino ou menina, se berravas, se eras loira ou morena, se eras linda e a azáfama da tia Zéfa, a parteira do pequeno burgo que botava a mão em todas as cabeças que assomavam a toca de todo o mundo, a pedir mais água quente...O sangue a placenta, e tu já tão grande, os cabelos negros e a pele morena, gritando a alegria de respirar um tempo que ainda não sabias difícil.
Era um dia frio de Outono, folhas secas, fenecidas da estiagem prolongada , esvoaçavam de um para outro lado aos arrepios do vento que soprava agreste. Pescadores faziam-se ao rio, as águas mexidas, dificultando as remadas e o avanço lento das pequenas lanchas que partiam à cata do pão.
Lembro-me porque me contaste, porque te contaram, em registo falado, descrito ao pormenor de radiografia. Lendas do teu nascer.
A chamada grande guerra estava no auge da carnificina entre as várias facções que se digladiavam pela partilha do mundo e das suas riquezas, constituindo-se, o ganhador, como a potência hegemónica a quem todos prestariam vassalagem.
Havia duas concepções principais e que se destacavam pela violência dos gestos e das palavras: A dos opressores e a dos oprimidos. E tu nascestes do lado dos últimos, mas já dotada de um espírito rebelde e insubmisso, pela forma como reclamavas os teus direitos de viver.
Hoje faz anos que nascestes e eu quero saudar o ter-te conhecido anos mais tarde, então a mais linda das jovens deste burgo, que alguma vez os meus olhos haviam visto. O teu sorriso, as tuas gargalhadas de alegria, as palavras que te saíam bem sonantes, doces, cultas. E o teu corpo harmonioso, os olhos verdes de um verde raro porque imbuído de outras nuances de verde e de castanho. A tua pele macia e os odores do teu corpo que me prendiam de ti.
Faz hoje anos que nascestes, sem o que, não teria sentido a frescura do teu aroma, o cheiro cativante a sexo em plenos de cio, a magnitude do teu olhar sobre mim e a vida que nos predestinavas, os ensinamentos de amor que me proporcionaste.
Amámo-nos como nunca talvez alguém tivesse amado, numa simbiose perfeita de almas e corpos, consubstanciados numa vontade indómita de sermos um só ser em duas essências próprias, como se fôssemos duas almas e um só corpo com o mesmo objectivo de atingir um infinito de prazer.
Acreditamos no poder deste amor, sentimento de dentro de nós, que nos transformou em seres mandantes dos elementos de fora de nós. E revestimo-nos de protecção inflexível a todas as investidas adversas. Jurámos amor eterno e cumprimos, cumpriste.
Eu não, eu fui o ser mais abjecto, o personagem insidioso do romance em que transformei a nossa vivência. Omiti-te devaneios com outras mulheres. Infidelidades, traições. Alterei os conceitos para mos permitir e considerar que não ofendia a tua essência. Que permanecia intocável a nossa ideia de amor absoluto. E tu perdoaste sempre,magnânima da tua integridade, da tua sublimidade de ser mulher e bela. Vejo o teu porte altivo, inteiro de ti, insubmisso, afagando-me os cabelos com um sorriso de condescendência pelas minhas fraquezas e sorrio-me do teu nascimento, do teu destino de mim, como um só.
Hoje fazes anos, meu amor e ofereço-te um sorriso,uma flor que se alinda na cor dos teus olhos, ciente que me perdoas a mais aviltante das traições. Porque me interpretas como uma outra parte do teu ser, a mais fraca, mas de ti, indestrutível de ti. indissociável do teu ser e da essência que nos assimilou como um todo.
Parabéns, meu amor, vamos visitar as coisas simples que vivemos intensamente. A minha mão na tua mão, o vento sopra de sudoeste, e ambos sorrimos à vida que ainda somos.
No alto da falésia, o miradouro dos amantes, para onde corríamos despertos da liberdade de sermos pessoas, inocentes ávidos de tudo que nos parecia belo, a ver o sol que se evadia deste espaço numa festa de cores que nos envolviam nos beijos que apaixonadamente nos dávamos.
Descemos à praia. O areal já não é o mesmo, encolheu de tanta maldade que lhe fizeram, mas ainda há um espaço onde podemos amar-nos como nunca nos amámos antes.
E talvez no pleno do orgasmo uma onda atrevida nos baptize a sensação maior de nos amarmos.
Quero cantar hoje,que fazes anos a grandeza eterna de seres mulher. Mulher maior, como nenhuma outra que conheci. Mulher mãe, sem limites. Mulher amante, fulgurosa, luxuriante que me elevaste a paixão de ser amado.
Feliz aniversário, meu amor, tão jovem sempre no meu olhar......tão linda, tão bela no teu sorriso de esperança. Vamos viver!...

26/10/2008

LEILA - VIDÊNCIAS DA ALMA

A vida sempre lhe sorrira fértil em sonhos que se iam transformando em realidades que sugeriam novos sonhos, numa sucessão infinita de probabilidades pensadas nos sonhos e que partiam de si alegremente à conquista da luz e da alma que as solidificasse em realidade.
Vivia numa cidade pequena dos estado de Minas, mulata, de corpo altivo e olhos luminosos de uma vivacidade que a tornavam temida, porque as suas palavras eram cortantes, não ofendiam, mas cortavam dos sonhos alheios, a magia .
Casou e projectou viver em harmonia uma vida plena de momentos doces de felicidade. Sabia que dois destinos, duas almas, duas vontades, era algo de diferente, não era pai, não era mãe, era ela e um outro ser, um homem que lhe parecia uma alma capaz de complementar as insuficiências que via inscritas nos seu sonhos.
Tiveram três filhos, na ânsia de se multiplicarem, de se expandirem em amor. Três filhos lindos que eram o seu orgulho de ser mãe.
O marido de Leila, seu Raimundo, que sempre mostrara uma total afeição pela esposa, sofria de um mal psíquico que não estava totalmente descoberto, nem de si, nem em si e se mantinha num secretismo absoluto, no mais profundo leito da sua alma.
Um dia em que Leila saiu para umas compras de Sábado de manhã, ela que era uma mãe muito possessiva, terna, previdente, quando estava nas compras sentiu uma sensação estranha vinda de dentro a tomar-lhe o pensamento todo, a apertar-lhe o peito, a descompassar-lhe as batidas do coração. E deu como que um grito: Não!...e saiu disparada,deixando as compras no carrinho do super mercado.
Correu esbaforida para sua casa que era térrea e tinha um quintal grande onde plantava flores e alguns legumes para suprir necessidades básicas e que tinha um poço de grande profundidade, fundo escuro, fundo mágico onde o seu rosto por vezes ondulava quando atirava pequenas pedras para lá e as águas se agitavam em círculos luminosos que lhe transmitiam sinais.
E eram esses círculos ou sinais que a alertavam agora, para algo de terrível que estaria para acontecer.
O quadro que se lhe deparou era Dantesco: seu Raimundo amarrara os três filhos e os colocara num carrinho de mão de transportar terra e com um deles, que se debatia e gritava, em seus braços, preparava-se para os atirar para o fundo do poço.
Leila, manteve o sangue frio e pegando num ferro que estava por ali abandonado, ou que alguém , ou Deus, colocara ali, correu na direcção de seu Raimundo e zás, derrubou-o com uma única pancada.
Desamarrou os filhotes, chamou o socorro para o marido inerte e partiu para casa de um irmão, Flávio, que a acolheu e queria partir para acabar com seu Raimundo. Leila não o permitiu. Agora havia que partir para outra situação. Não podia continuar naquele lugar e não confiar mais em deixar seus filhos sós.
Entregou-se ao sonho dia e noite. Raimundo escapara ao golpe e estava no hospital se recuperando. Leila contactou seus irmãos que estavam em Portugal que, alertando-a para as dificuldades da integração a entusiasmaram a partir em vez de viver enclausurada no seu imenso Brasil tendo um marido fixado na morte de seus próprios filhos.
Congeminou o sonho, espartilhou-o, reuniu pedaços que colou, projectou sua nova vida num país estranho, mas onde a língua e a cultura se assemelhavam. Haveria de encontrar gente de bem. Consolidou o sonho como uma predição e era já a realidade que a transportava no enorme avião em que se estreava como viajante dos ares, tão próxima de onde lhe vinham os sonhos.
Aceitou a indicação de um irmão para que ficasse numa cidade pequena, junto ao mar, de onde sempre podia imaginar o seu Brasil ao fundo, quando se desce, seguindo a inclinação do por do sol.
Viveu dias de grande dificuldade, de não ter o que comer, mas as crianças era o que mais a incomodava, Ter comer para as crianças. Leila sempre acreditava que havia de criar seus filhos e só depois morrer. Projectou ajudas e encontrou almas que se dispuseram a dar-lhe ferramentas de defesa e de construção dos seus alicerces para sobreviver à enxurrada.
Gente certa no lugar certo e que tinha da ideia de proporcionar ensinamentos para pescar, uma outra realidade e que era a de que, até se aprender, era preciso ter de comer e onde ficar.
E foi assim que de sonho positivo em sonho positivo, extrapolando do sonho a sua realidade a que era e a que queria, que alugou casa, obteve ajuda oficial, sobrealogou a um amigo de infância caído do céu, um quarto vazio, e foi montando um salão de cabeleireiro para cujo sucesso muito contribuiu a sua arte, o seu optimismo e a partilha de tudo o que sentia de positivo com aquelas almas que a ajudavam.
Os filhos cresciam, saudáveis e felizes. Persistiam dificuldades, mas menores, um pouco mais de tempo, sem pressas, e conseguiria . Foi então que lhe sobreveio um diagnóstico médico que a deixou abalada. Seu rim estava desfeito, sem cura, era preciso encontrar um dador compatível urgentemente e a inscreveram desde logo em lista de espera para transplante e que procurasse junto da família, alguém que se dispusesse e fosse compatível.
Escreveu para Minas, a seu irmão Flávio, que era de todos o que sentia mais no interior de si própria e ele a ela, como se fossem ou tivessem sido projectados para gémeos.
Ele respondeu de imediato, que marcasse a consulta para os testes que ele vinha logo. E veio. Era uma tarde quente daquele Verão Estiado, o sol no pino do dia a transmitir força à sua alma sonhadora que acreditava com um sorriso num desfecho positivo que a libertaria do sufoco de se saber condenada a não cuidar mais de seus filhos.
Feitos os testes, o irmão era compatível e estava disposto a doar-lhe um rim para que ela sobrevivesse. Se tudo corresse bem, ambos festejariam o mistério da continuidade de suas almas sobre a vastidão do Planeta.
Leila lembrou-se de dar uma festa enquanto aguardava o dia ,já marcado, para a operação de transplante. Todos os dias eram uma festa do seu espírito positivo, mas esta seria uma festa em que reuniria amigos e amigas que sentia tão próximos de si que eram como se a sua alma poisasse em cada um deles sempre que queria descansar. Além de que a preocupava, não por si, mas pelo irmão. A operação podia correr mal e morriam os dois, mas podia morrer só um deles. Se fosse ela, já estava destinada, mas o irmão que estava são, seria uma dor que a acompanharia toda a vida se sobrevivesse. Mas queria acreditar no sucesso total.
A festa ia animada, noite dentro, Leila, seu irmão Flávio e os amigos, musica Brasileira, samba e canções de sucesso no Brasil e em todo o mundo. O telemóvel toca insistentemente, mas o ruído da música abafava, as vozes em uníssono que se reuniam na orgia das almas. Os copos de mão em mão, mais cerveja, caipirinhas, e é quando algo a aproxima do local de onde pode ouvir o toque nítido, agora evidente, do celular, que a chama.
Atende e ouve, do outro lado, como se de si,ou de um além estranho, a voz afável e quente que lhe diz:
_Leila!...
_Sim, sou eu!...
_Leila, ainda bem que está em casa. Temos um rim disponível, uma pessoa que acabou de morrer, tem de estar pela manhã cedo no hospital,seis horas. Pode?...Quer?:::
_Sim, lá estarei, vou já se quer!...
Respondeu tudo automático, como se fosse uma outra pessoa, uma outra de si, ainda longe da realidade da festa quando se virou e gritou num tom de alegria imensa.
_Gente!...Parou a música!...
Todos se calaram, os olhos apreensivos de entre a névoa do álcool, de entre o eco das cantigas da Pátria longínqua, atentos ás palavras.
_Gente, eu sabia, eu sentia que Deus não queria submeter o meu Flávio a esta prova de amor. Tenho um dador e vai ser já daqui a pouco que vou ser operada.
Um grito de alegria, mais cerveja, mais música e Leila e Flávio abraçados , chorando como uma só alma na orgia da festa.
A operação correu bem e Leila regressou a casa, casa vazia de seus amores, os filhos ficaram com um irmão dela até que tudo em si voltasse à normalidade. Vivia só, Leila, com seus sonhos, havia de ter uma casa dela, um marido que a respeitasse e que com ela quisesse romper as brumas que se envolviam no sonho. Ser feliz, criar os seus filhos.
No hospital disseram que se sentisse alguma perturbação fosse directo lá. Nada de outros hospitais.
Estava ela nas congeminações de tornar realidades novos sonhos, quando começou a sentir um calor imenso que a percorria e se instalava, como se um fogo de chama e labareda sem fumo, sem aviso prévio a quisesse consumir lentamente. Tentou levantar-se e caiu no chão, os pensamentos longe. Ouvia tocar o telefone, mas não via o telefone. O pensamento nos filhos, sentia que ia morrer. E não queria morrer sem ter cumprido o que achava de direito, ter os filhos criados, os filhos que salvara do poço, os filhos que não pediram para nascer, os filhos que eram toda a luz da sua alma. E o telefone que tocava e não o via, não sabia de onde esse barulho estranho que ela própria instalara. Ia morrer, Ia morrer...
Lá está, com esforço, arrastando o corpo cada vez mais pesado, o volume a aumentar, o seu corpo ainda esbelto, agora disforme,
_Leila!...Leila!...
Ouvia a voz de Ana, uma amiga de cá, do coração, da alma e a voz que não lhe saía....
_Ana, vou morrer!...
-Leila, vou já para aí, abra a porta e ponha um sapato, alguma coisa, que mantenha a porta. Vou já para ai...
Abriu a porta de baixo, colocou um sapato a impedir que a porta se fechasse e deixou-se ficar, sentia que a vida se esvaia de todo. Os filhos...
Ana chegou e depara-se com o quadro indescritível, o corpo inchado de Leila, a febre elevada e a voz dela, sussurrante.
_Ana, eu não vou morrer sem ter criado meus filhos. Me leva, Ana...
Ana chama a emergência, os bombeiros chegam rápido mas querem levar Leila cumprindo os preceitos legais, primeiro o hospital de residência. Ana discute com eles a urgência de a levar ao hospital que a operou, eram essas as indicações.
Exaltam-se, discutem e Ana toma uma resolução.
_Ajudem-me a coloca-la no meu carro eu levo-a!...
Os bombeiros Olham-na surpreendidos e executam o pedido. Ana parte a toda a velocidade.
Vai sem controlo emocional, olha o corpo de Leila que arde a seu lado, mal respira, julga que a leva morta, conduz todo o trajecto como se fosse uma outra pessoa e não ela. Vocifera contra o trânsito que lhe obstrui a passagem, buzina.
Não sabe muito bem onde fica o hospital mas guia o carro por estradas e ruas, sons e cheiros de um corpo que lhe parece já não ser. e, de repente, o nome do hospital ante os seus olhos, como se uma visão e não uma realidade, como se algo ou alguém que não ela a tivesse conduzido com a precisão infalível de um mecanismo irreal, absurdo.
Viu o corpo que a urgência levava e aguardou na sala um veredicto que se recusava a acreditar. Leila...
O médico surgiu como uma visão aos olhos de Ana.
_E então Dr.?...
_Salva por um milagre da prontidão com que a trouxe.
Leila, tudo projectado mulher, por entre as brumas do sonho



É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita de Natal ou Aniversário.

J.R.G.

18/10/2008

MEMÓRIAS DA GUERRA - MATAR OU MORRER!...

Vaga lumes luziam em silêncio por entre o capim de hastes delgadas e cheiros impertinentes que se alojavam nos corpos e no interior de cada um, como um estigma de amor.
As botas enterravam-se na água lamacenta das bolanhas vazias de arroz, talvez densamente povoadas de repteis e outros anfíbios ou semi anfíbios, ou peixes sem nome e de outras pequeníssimas espécies de habitantes aquáticos, que fugiam espavoridos a cada passo e ao ruído surdo do chap chap cuidadoso de cada passada.
Eram duas longas filas de homens que se entregavam aos mais variados pensamentos, entre a atenção sobre a floresta escura, e algum ruído indissociável do perigo que pressentiam avindo da sua densidade impenetrável.
Manuel António seguia na fila da esquerda, a mais distante da orla da mata. decidira não fazer a barba. Tomara o banho antes de se deitar e escrevera uma carta longa para Alexandra. Não uma despedida, mas uma carta densa de amor de projectos ao porvir. O filho que queriam ter. O filho deles, varão. Queria um menino, não porque desgostasse de uma menina, mas tinha receio de não ser capaz de a educar.
Atrás dele, o Fátima, sussurrava Pais nossos e Avé Marias, um rosário entre o gatilho da espingarda e a mão que segurava o cano, junto ao carregador de munições. A voz pastosa quase inaudível, uma ladainha.
Na sua frente, passos trôpegos, gingando ora para um ora para outro lado ao peso das granadas de Bazooka, e do bagaço que ingeria sempre que havia uma operação de combate, o Cortegaça, espalhafatoso na parada do quartel ,barafustando contra tudo e todos, agora mudo, congeminando sabe-se lá o quê ou contra quem.
Estropiados. Nenhum deles queria sair dali estropiado. Antes morrer. E iam ficando, sem o saberem, sem darem por isso a cada estremecer do coração, ao estalido vindo da mata, ao riso súbito, aviltante, dos macacos despertos pelo cheiro humano irrompendo pelo seu habitat. Seguiam o trilho que alguém erudito traçara com nuances hipócritas de ser o melhor para os homens, o mais seguro e capaz de surpreender o inimigo. Um risco sobre o papel rijo e amarelado do mapa e de onde sobressaía a mancha verde da floresta e o local exacto do acampamento ou aldeia a destruir.
Manuel António é um pacifista. Não quer matar. Não quer destruir o lar de ninguém. Aceitou de si, vir por amor. Acreditando que era possível vir e voltar sem que tivesse ocorrido nada do que temia, matar, por exemplo. Não pensava na sua própria morte, mas o acto de matar um outro ser que ele admirava, que ele amava e a quem não podia dizer uma palavra se se encontrassem frente a frente. Era matar ou morrer, sem uma palavra. O mais rápido, o menos surpreso, o sangue mais frio, ou o dedo mais hábil. Matar ou morrer.
Sentia as lágrimas ofuscar-lhe a visão.
As pernas começavam a pesar, de molhados, os uniformes ganhavam uma pressão intransigente sobre as pernas. A noite ainda densa e eis que se chegam ao local do assalto. Os homens são dispostos ao redor da aldeia para que não escape nada nem ninguém. Casas de lama e capim. Uma clareira castanha no verde da mata. África.
É dada a ordem e como uma mola, os que estavam instruídos para a tomada do objectivo, lançam-se confiantes que não terão oposição, sobre as casas de onde começam a sair animais de criação, galos galinhas e porcos. Das casas, aos gritos indecifráveis porque de dialectos tribais ou étnicos, saem mulheres de idade, crianças, velhos que vociferam contra os invasores. Ouvem-se disparos de metralhadoras de armas ligeiras, gritos de filhos da puta, cabrões e outros selváticos de dentro, da raiva de estar ali e não querer ou de gostar desta farsa de ser homem. Há fumo, labaredas que se propagam ao capim envolvente das palhotas, o choro das crianças cansadas de correr em volta. O ranho, as lágrimas ,o suor de mistura com o pó e o cisco das palhas ardidas.Imagem Dantesca no dealbar da madrugada.
Manuel António está na retaguarda , dos que fazem segurança à chacina dos bens e da dignidade de uns tantos que resolveram tomar o partido dos bandidos e observa aterrado o vai e vem dos homens possessos. Homens, como ele. Dum povo que vive amordaçado e convencido que é dono de outros povos tão longe. E pensa que é tão responsável como os que executam.
Feita a operação, trazidos alguns prisioneiros, mulheres e crianças, para servir de aviso à restante população rebelde, iniciam o regresso, constatando que não havia armas, nem gente armada, nem Turras, naquelas miseras palhotas no interior da mata.
O mesmo caminho de regresso. "Olha o papão. Deus nosso Senhor castiga-te." Lembrava-se, de quando era criança e fazia um estrago, os ralhos adultos, o olhar severo, do lado de fora e de cima de si, poderosos e ele franzino, dois palmos de gente, tremendo de medo pelos castigos...
O sol apareceu e trouxe a habitual nuvem de mosquitos sugadores dos suores entretanto expelidos pelos poros dos corpos cansados. A mesma tensão, agora acrescida pelo medo de qualquer retaliação. Os rostos têm uma cor macilenta. Os olhos salientes, as pálpebras inchadas. Manuel António é o penúltimo porque o Fátima fazia questão de ser o último. Era Fátima. Sentia-se imbuído dum espírito de protecção.
Soam tiros de costureirinha, assim chamada porque o som parecia o de uma máquina de coser roupas. Explosões de morteiro 62. Os homens espalham-se pelo chão e disparam as suas armas na direcção da mata.
Manuel António repara que o Fátima está inerte, que geme baixo e nota-lhe uma mancha negra junto ao ombro. O tiroteio é intenso. Ouvem-se gritos de perto, em Crioulo que os mandam para a sua terra, que lhes chamam bandidos. Julga ver vultos que correm tão perto e pensa que é desta que não vai escapar. Levanta-se um pouco para amparar o Fátima, arrastá-lo para junto do enfermeiro que, transido de medo espumava da boca seca e pastosa dum suco horrendo entre branco e castanho, sangue. Por momentos pensa que o Fátima cumprira a sua missão, o quer que fosse, bala ou estilhaço de granada, se ele fosse o último, seria ele o atingido.
Manuel António voltou para a sua posição, rastejando e de cócoras, olhos na mata e dá com ele,os olhos dele luminosos, os dentes brancos, um lenço vermelho sujo enrolado na cabeça. É um homem como ele, mas está do outro lado da vida. Grunhe palavras inteligíveis e dispara na sua direcção. Rápido estende-se e rebola no chão de capim. Ouve os silvos das balas sobre si. Angústia. os passos que se movem rápidos e dispara gritando: Alexandraaaaaaa!!!! dispara um carregador e outro que conseguiu enfiar entre tremores.
_Já o mataste!.
Era uma voz conhecida. Palmadas nos seus ombros, nas costas, os tiros ainda que se afastavam. Névoa no interior do cérebro. Saliva acre que teimava em escorrer-lhe de dentro de si
_Mataste-o pá. Porra! O Cortegaça, já sóbrio, sem o peso das granadas de bazooka entretanto despejadas.
_Eu?! Incrédulo, ele, Manuel António, a levantar-se atordoado, a apalpar.se e a cuspir a ver se era sangue o que teimava em escorrer de si, por entre os seu lábios. Não, não era sangue, ou era, de uma cápsula de bala que saltara da culatra e foi ver, aproximou-se de onde o comandante e outros pegavam na arma do homem que ele supostamente matara. E lá estava, as vísceras de fora, enrodilhadas entre si, o intestino grosso e o delgado e todos os órgãos à volta, macabros, numa evidência de corpo tracejado a bala. E o cheiro a carne, não de fora, mas de dentro da carne, pestilento, onde já nuvens de mosquitos se banqueteavam e em cima, por cima das cabeças deles, os abutres atentos, farejantes da morte em busca do festim. Olhou o homem de pele escura, os dentes brancos agora escondidos sobre os lábios cerrados, os olhos abertos, negros, ainda com um resto de brilho, como vidro, e em volta a córnea amarelada. As mãos abandonadas de palmas voltadas para cima, como se pedisse desculpa ou se oferecesse em sacrifício de uma causa a que Deus?... meu Deus!...
Voltou-se e seguiu em passos lentos na direcção de amigos que o sentiam desfeito. Um esgar de dor em todo o rosto, os membros entorpecidos, névoa no cérebro e uma palavra que repetia em sucessivos estertores da voz:
E agora Manuel António?...E agora....?

14/10/2008

FEZ UM PACTO COM A ALMA

À Teresa no dia do seu 40º aniversário.

Soprava um vento forte com rajadas consideradas de tempestade, que encapelavam as águas quietas do mar.horas antes e agora alteradas, em cristas branqueadas de espuma que enchiam a alma de esperança.
Teresa tinha pelo mar uma paixão especial, desde criança, quando pela mão do pai e da mãe, passeavam nas tardes mornas do Estio ou nas manhãs ainda frias do começo do Inverno. O para lá do horizonte adensado em mistérios na sua imaginação infantil.
Cresceu feliz e sã e tinha sonhos que a acordavam de madrugada em sobressaltos de ser verdade ou impossíveis de acontecer..
Fez-se mulher no seio de uma família unida por laços indestrutiveis de amor. É uma sensação estranha, ser mimada a vida toda. Saber que ali, naquela casa onde dera os primeiros passos, onde fora concebida num acto de amor pleno de duas almas que se amavam como uma só, encontraria sempre abrigo, fosse qual fosse a tormenta da sua alma que se fazia à vida turbulenta como sempre ouvira dizer.
Era uma mulher bonita, esbelta de corpo, alegre e divertida, inteligente e decidida. Era uma mulher apaixonada pela vida, sem medos e agora, debatia-se com a paixão de ser mãe.
Casar ou não casar, como sempre acontecera na família, ou fazer uma experiência e outra, até achar o seu príncipe, o que ela considerasse o melhor pai para um seu filho. Ser mãe!...
Casou e teve um vida atribulada. A vida a dois, sem a proximidade da protecção a que fora habituada. A profissão de professora que escolheu, para ser ela a fonte que formaria novas energias, inocente de saber que lobies importantes não tinham os seus sonhos em consideração. Em cada ano uma colocação diferente, e longe. sempre tão longe de quem amava.
A vida de casada não foi um sucesso. Fazemos sempre ideia diferente do que vemos acontecer ao lado de nós. Viver o acontecimento é completamente diferente. Exige de nós uma adaptação a um outro e do outro igual, mas se não houver essa vontade do outro, os nossos esforços esfumam-se em violentas desilusões.
A paixão não deu lugar a amor. Uma ténue amizade e dor. Problemas complicados sobreviveram e instalaram-se não permitindo a continuidade da relação. A separação provocou agitação em todas as entidades que a animavam. Ela própria sentiu que algo se alterara em si. Sentia iras súbitas e alegrias incontidas, num turbilhão sem sentido que a fragilizava face ao todo que construíra, ou que almejara construir. ser mãe!...
Teresa queria acreditar que a felicidade era possivel, ser mãe e encontrar um homem, o seu príncipe que ela desencantaria ou que a desencantaria a ela, agora que descobrira o seu corpo, que o procurava destrinçar do aglomerado de conceitos que sempre a consideraram perfeita e exímia de sedução.
Casou de novo, com um amor que pensou consolidado em ampla amizade. Um homem que carregava um desenlace de frustrações amorosas, como ela própria e que sonhava uma família para a eternidade.
Teresa sabia agora que as ilusões se desfazem com o correr dos dias, a aproximação de dificuldades, ou a desconexão de pensamentos sobre determinadas matérias.
O ser é feito de conhecimento, de cedências e de absorções estranhas que visam complementar o ser mais. A aceitação do ser, por nós e ou por um outro que queremos de nós, carece de vontades e respeito, de amizade e amor sinceros, gratificantes, livres.
E teve um filho. Uma criança linda e cheia de carácter que expandia luz e amor. Um momento alto de grande felicidade.
Há seres para quem a felicidade parece ser um íman de atracção continuado de parcelas fatídicas da vida. Com a consumação de um sonho, ser mãe, como se a mente ciosa de ter perdido alguma supremacia sobre o corpo, a quisesse desligar da alma que a engrandecia como mulher, sobreveio-lhe um problema , talvez antigo, talvez adormecido, que lhe provocou descontinuações constantes da sua forma de viver feliz.
Teresa vacilou. Deixou que alastrasse, que se evidenciasse toda a extensão e solidez do problema. Questionou. Questionou-se. Procurou mais informação nas mais diversas instância do saber. Desceu ao fundo do corpo, da mente. Agarrou-se à alma que sempre a alentava, a sustinha na deriva que parecia tomar conta dela, por momentos.
Olhou o filho rabino, traquinas que crescia desenvolvido, como o amava!!!...Olhou-se de novo, como se fosse a primeira vez ,para que não a influenciassem olhares antigos de que se sentia traída. Para que não subsistissem dúvidas de si sobre si e agarrou-se à alma, definitivamente, e fez com ela um pacto secreto, para sempre...para ser...sendo...

10/10/2008

DILEMAS DA ALMA - A MULHER E O CANCRO DA MAMA!...

Acreditara na profundidade do que sentia dele, nas palavras e em todo o sentido do seu olhar lânguido onde lia ternura, amor, entrega. Um absoluto de certezas que o saber a induzia mais que o sentir. A razão, o ser. E ela entregara-se vencida, talvez porque queria ter a sua própria vida, afrontar alguém que a prendia ou que ela sentia que a prendia, lhe sonegava a liberdade de viver-se a si própria, errar, vencer, por si ,em si.
_Sra enfermeira...menina...
Olhou a mulher, ainda jovem, 40, 45, não mais, o olhar triste, parecendo vazio, longe do lugar, da sala iluminada pela claridade do dia que rompia da longa noite. Estabelecera com ela uma relação de empatia crescente, extra profissional, fora do que aprendera no curso de enfermeira. Não permitir a intrusão do drama, Não sentir a realidade para que não lhe faltasse a racionalidade das prioridades. Faltava uma hora para sair e embrenhar-se definitivamente em si, ainda que de quando em quando os espectros do hospital se intrometessem como a lembrá-la que era um ser útil. Que fazia falta.
_Estou aqui, diga...
Os olhos nos olhos, uns e outros a aconchegarem-se no alvor de uma nova vida, a interrogarem-se de porquê elas, a cada uma a sua inquietação, o seu percurso.
_A menina tem uns seios tão bonitos. Deixe-me vê-los.
Fez um esforço para conter as lágrimas. Porra, era gente! Escolhera a profissão por se sentir suficientemente forte, ou por desafio a si própria, à sua capacidade, ou limite de ser uma fortaleza do ser que se sentia imerso em submissão.Libertar-se pela dor ou com a dor dos outros onde a sua se diluísse.
Aquela mulher era como um desafio a tudo o que queria da vida. Senti-la plena, no seu próprio interior, na sua alma, era como reduzir a nada o abandono a que se sentira votada por aquele traste que lhe prometera o mundo, o amor eterno, a felicidade a cada instante de ser mulher. O que falhara, se se dera toda? Teria dado demais? Teria ocupado o espaço total do outro que era ele? Mas não é isso amor? Dar-se. O ter e o ser.
Ouvira o cirurgião dizer que iam tentar salvar um dos seios e depois, a cara dele sob a máscara, os olhos inquietos. Lembra-se que ele a olhara por segundos, como a desculpar-se ou a pedir ajuda, o leve encolher de ombros, ainda um compasso de espera e zás, o outro estava contaminado, as raízes do bicho agarradas até onde?...Ficou plana, os olhos fechados, o corpo inerte onde tudo funcionava ainda, como se nada tivesse acontecido ao seu corpo de mulher ainda jovem.
Soltou os seios, pequenos, firmes, de menina já mulher e ficou em frente dela, olhando os olhos dela que a fixavam, passando a língua pelos lábios, as mãos que lhe tocavam, frias, trémulas e as lágrimas de ambas. Deu-lhe um beijo sobre a testa.
_Não estou livre de me acontecer o mesmo. Está viva. Tem de encontrar a tal força dentro de si, de dentro de si e vai ter muita gente a segurar-lhe a mão, vai fazer uma vida normal, como um coxo, um cego, lembre-se, está viva!...
Sentia que eram apenas palavras de alento. A operação tinha sido há seis dias e ainda ninguém viera vê-la. Adoptara-a, a ela, como a única possivel no universo dos que a viveram, dos que abusaram do seu corpo, a usaram como simbolo ou fetiche de todo um mundo de momentos de fantasia.
_A menina sabe bem que o que me espera é a mais sombria solidão. Que ainda não sei como vou sobreviver a ela ou se me deixo ir, lentamente, voluptuosamente embrenhada nesse sentimento lúgubre de não ser, de não querer ser.
_ E o seu marido?
_É como vê. Depositou-me e foi-se. Não sei se o volto a ver. Já lhe sentia a incerteza nos olhos ausentes quando lhe mostrei os exames fatídicos. Não houve muitas mais palavras desde então...
Os olhos dela baixaram ao nível da barreira que sentia erguer-se entre a vida física e a alma.
Um vácuo imenso e sem forças para o percorrer. Um vácuo em túnel de paredes escuras e frias. Vultos brancos, estéreis de matéria, voláteis, em movimentos lentos, em torno da cama, no tecto, em volta do corpo que recusava mover, olhar, sentir...
A enfermeira muito jovem, a paciente ainda jovem, as palavras que se esgotavam, porque não há palavras suficientes. A ânsia de inventar novas palavras. O corpo dela muito jovem, exuberantemente belo, harmonioso, sensual. O corpo da paciente, ainda jovem, mutilado, mas belo, sedutora a alma que sobressaía dos olhos nublados de lágrimas. Os vincos na testa de pele macia, corada de tons amarelados.
_ Talvez eu possa ir morar consigo. Partilhamos experiências. Sou livre de compromissos...por um tempo...não para sempre, claro...
A paciente estremeceu. Ouvira bem? Seriam apenas palavras de ânimo que podiam ou não cumprir-se?
-Bem, a casa era dos meus pais. Morreram ambos com intervalo de poucos meses. O meu marido... vivíamos em comunhão há seis anos. Vínculos precários. A menina seria capaz?
Era um passo gigantesco. Sair de novo de casa dos pais ,mas desta vez sem um projecto normal de ajuntamento de casal, de viver a vida própria. Construir o edifício clássico da família. Ser família. Mas dissera as palavras e acreditava que os impulsos ditados do interior de si, da alma que sentia pujante de verdade, a única verdade, eram afirmações da essência ,do seu ser cósmico. Se não, para que servia ser?
_Sim, sou capaz. Amanhã o doutor dá-lhe a alta e vamos construir algo de novo. As duas...Nada está perdido em si. É preciso reestabelecer a confiança em absoluto do seu poder sobre o corpo.
-_Menina!...minha amiga.
Ficaram abraçadas as duas por largos minutos, misturando lágrimas e afectos vindos do interior em catadupas de suspiros e afagos de ternura.
Era o dia de folga e ela, como qualquer outro utente, esperava no átrio aconchegado de gente que borbulhava de conversas, de atritos com os serviços, com as famílias, a chegada da amiga.
Um raio de sol entrava pela porta vidrada e espalhava sombras pelo espaço em volta. Estava calma, serena a alma e feliz. Quando sorriu ao vê-la, caminhando lentamente, muito direita, como se carregasse algo muito frágil que queria evitar a todo o custo que se partisse.
Abraçaram-se. Sorriram-se de novo e seguiram normalmente o novo rumo.
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É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita e original de Natal ou Aniversário.

J.R.G.

03/10/2008

O DIA "D" DA ALMA APAIXONADA - O DESFECHO

O meu avô hoje levou-me ao parque para um dia especial. Disse que eu ia participar na parte final de uma história que ele escreveu com muito amor. Estou contente e curiosa de ver e sentir o escrever da história contada pelo meu avô querido.
Estou a andar no baloiço que eu gosto muito e vejo entrar um menino que parecia um príncipe e que eu nunca tinha visto brincar neste parque.
O menino vinha com um homem de olhar triste e que parecia ter estado a chorar. Devo dizer que o menino tinha um olhar ainda mais triste e eu franzi a testa, curiosa, porque estou muito habituada a ver os meninos e meninas muito felizes e risonhos nas brincadeiras.
Fui ter com o menino e perguntei como se chamava e ele disse que era Bernardo e baixou os olhos para o chão, de braços caídos, como quem espera que o levem, ou lhe tragam algo que perdeu.
_Bernardo, queres andar no meu baloiço?
Ele disse que sim com a cabeça e encolheu os ombros em simultâneo. Agarrei na mão dele e levei-o para o baloiço. O pai dele,de olhos tristes, ficou a olhar embevecido e ausente, como se a visão do filho fosse uma miragem.
_ E tu, como te chamas?
_Eu sou a Tita, mas na história sou a Princesa do amor "Criz"
_O menino sorriu avô!...
Eu disse ao Bernardo que estava no parque com o meu avô e perguntei quem era aquele senhor que estava com ele. O Bernardo disse que era o pai dele. Que ele gostava muito do pai.
_ E a tua mamã? Perguntei curiosa por ele não falar da mamã.
O bernardo encolheu-se todo e baixou a cabeça. Os olhos ficaram ainda mais tristes e disse muito baixinho que a mamã dele tinha partido. Não sabia se voltava. E tinha muitas saudades de estar com ela, de a ter. E desatou a chorar.
O pai aproximou-se e pegou no Bernardo fazendo.lhe festas na cabeça de cabelos castanhos. E eu disse.
_Não chora, Bernardo, vais ver que a tua mamã não partiu. Eu sou a Princesa Criz,do amor entre os meninos e vou fazer uma magia.
E fiz uns gestos no ar com uma varinha imaginária. E disse umas palavras que eu dizia serem mágicas. E abracei o Bernardo que deixara de chorar e dei-lhe um beijinho e um abraço forte.
_Vamos jogar a bola?
Mas o Bernardo já não me ouvia, um sorriso lindo, enorme deixava ver uns dentes lindos e certinhos, tão brancos como os meus. Os olhos dele iluminaram-se de uma luz maravilhosa como eu só vira, ainda num sonho que tive.
_Mamã!...
Eu vi o Bernardo correr para uma senhora muito bonita, que também parecia uma Princesa. Vestia um vestido azul bebé e tinha um sorriso do tamanho do mundo. Os olhos tinham lágrimas e eram grandes. Pegou no Bernardo com uma alegria que parecia o meu avô quando está uma semana sem me ver.
O pai do Bernardo ficou parado onde estava, a ver o filho correr e disse apenas, com os olhos muito abertos-
_Cristina!...
Fiquei a saber que a mamã do Bernardo era Cristina. E que por qualquer razão tinha partido.
E que por qualquer outra razão tinha voltado.
_Avô, é o fim da história?
_Não meu amor, nas histórias da vida não há fim, aprenderás pelo tempo.
_Ainda bem, disse eu.
E fiquei pensativa a ver como a Cristina abraçava o Bernardo e o pai dele e ouvia a voz do Bernardo a dizer " mamã, papá, vamos brincar.
Um homem que parecia o meu avõ olhava também ele a cena da Cristina reunida à família, como se fosse parte do elo que os fazia caminhar numa direcção única.
_Avô, quem é este?
_ Um mistico, Anastácio Bandarra, um poeta.
_Avô e o que é um poeta?...
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É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.

J.R.G.