28/06/2008

OUSAR VENCER A MEDIOCRIDADE

Um dia, ousei questionar o director da empresa. Colocar dúvidas na sua apreciação negativa da conduta dos elementos que fizeram uma determinada colocação do produto, que a expuseram com criatividade e paixão, defender-me , enquanto elemento.
Isto, em plena convenção, que é um nome pomposamente atribuido a uma reunião que congrega os elementos consederados chave duma empresa.
Após o intervalo encontrei-me com ele na casa de banho do hotel local do evento. E entre sacudidelas de pichas, eu na minha e ele na dele, atenção ás ilacções, diz-me ele em tom distante e altivo:
-Ora, o meu amigo a pensar que me queria referir a si!...
A minha interpretação:
-Estulticia a tua, fulano menor na estrutura da empresa, pensares que me afadigava em conceitos de elevada indole comercial, atribuindo-te um valor que não consta na minha apreciação de conceitos.
Mais tarde, não muito, fui colocado na lista restrita dos elementos a abater. E por uma compensação ridicula face ao valor que eu tinha de mim.
Ousei recusar. Esperei em baixa médica impeditiva de acção, baixa sustentada, claro.
Ousei ainda litigar em local próprio, o tribunal, e escudado na baixa médica sustentada ,dividas vencidas por trabalhos descomunais a desoras.
E não é que venci! Em toda a linha!...
O tipo foi afastado por inoperância de resultados.
E eu, grão insignificante no sistema, sózinho com a minha vontade, com a minha revolta e apoiado num defensor autorizado e competente, assinei um acordo com o novo e efémero administrador, dez vezes superior ao inicialmente proposto.
É o que eu chamo por em causa o triundo da mediocridade na nossa sociedade
A verdade é que eles continuam lá, mas por pouco mais tempo.
Assim nós queiramos. Rompamos de vez com a humildade bacoca que nos arreda da ribalta.
Ousemos, ousai, arrebatar o que nos,vos pertence, a criatividade, o sucesso, as boas práticas, os lucros na economia e na educação, o reconhecimento por nós do valor que temos
Eu estou aqui. Teso, mas aqui, na primeira linha contra a usurpação da glória de ser parte

10/06/2008

MEMÓRIAS DA GUERRA - DESERÇÃO

Manuel António no fundo da caserna e no silêncio da madrugada, onde só o ruído constante e monótono do motor da geradora, tão monótono que deixara quase de se ouvir, soava na penumbra.
Deixar tudo para´trás, a família, o grande amor da sua vida. Sim era aqui que tudo esbatia e se embrulhava em reflexos de si e do problema que de si evoluía em emanações voláteis e pouco consistentes para agir.
Seria de noite, ma não enquanto todos dormissem, porque havia as sentinelas e toda a Aldeia para atravessar. Também não adejava que fosse pegando o vento, em metáfora de fuga alada. Mas fugir, queria. Não fugir como soe dizer-se por cobardia, por não ter argumentos que satisfizessem a sua consciência, mas por sentir que era uma violência inútil, o que lhe ordenavam que fizesse. E havia as crianças que podiam morrer, nas armadilhas, nas emboscadas. As violações consentidas de mulheres, de crianças.
A palavra coragem a desenraizar-se, batendo nas têmporas latejantes, tornando-se grande e tapando a palavra amor que procurava subsistir em toda a plenitude da negativa de não o fazer, de ficar e aguentar.
Havia quem o tivesse feito antes. Paris, Argel. Uns tinham apoio financeiro, outros não. Chegados lá faziam-se à vida. Procuravam ajuda entre os que lá viviam e tinham segurado a existência e alargado o fio condutor. Digladiavam-se provavelmente noutras lutas não menos sórdidas.
Mas ele, Manuel António estava ali naquele fim de mundo. cheirando a catinga, suado e debatendo-se com a coragem e a cobardia, a razão e a ilusão do nada absoluto, onde a palavra amor ganhava uma particular acuidade. Sonhava com o amor de uma mulher absoluta de carisma na sua essência dela e na sua própria, dele, Manuel António.
Há dias que mal dormia. Debatia-se no infinito da virtude que se evadia de si enovelada em argumentos fantásticos de ser homem. Ser homem pela primeira vez, assumindo toda a responsabilidade de o ser e não mais se escudar em estímulos estereotipados de que alimentava o próprio ego.
Podia ser morto na fuga. Ou no acto de captura, se os outros não se apercebessem que queria passar para o lado deles. Como entender-se com os dialectos da guerrilha? Não iria encontrar, por grande sorte , quem falasse Português e Amílcar Cabral estava morto.
A estratégia estava delineada na sua mente febril. Havia ainda os prós e os contras. A loucura total da irrazão. Vencer a todo o custo a mediocridade que se achava por não ser.
Na coluna os homens iam sempre em fila e ele escolheria ser o último. Ninguém gostava de ir em último. Olhar para trás e saber que não havia nada, gente sua. E deixar-se-ia ficar, como se tivesse perdido o contacto e ficado desorientado do rumo e não quisera gritar.
Levaria as cartas e os escritos que criara no tempo passado naquele pesadelo de mistério onde as pessoas tinham olhos profundos e as crianças olhavam abismados para a pele diferente.
A decisão aprumava-se na ideia em concreto. Ainda uns pequenos pormenores. Alguma resistência. Quando as cartas que enviava diariamente não chegassem. Imaginar a dor daquele corpo franzino e belo de mulher que amava do interior de si e que sentia ser igualmente amado visceralmente. Como cortar este elo que o ligava em espírito.?
Tentou afastar as ideias por um momento. mas não, voltava tudo de novo, insistente, e a dor nas têmporas latejantes, como se fosse explodir a cabeça e tudo terminasse ali sem que tivesse de mover-se, em atitude.
Dois dias depois desta batalha mental, a noite pusera-se apática e dolorosamente quieta de luz do luar. Tudo opaco em redor de onde a luz dos candeeiros não chegava.
Os homens ,convocados durante a tarde reuniam-se na parada. Peitos arfantes de confusão interior não manifestada. Gente boa dos campos e das cidades. Gente inteira, como os negros que agora em silêncio, também eles preparavam mais uma saída, como guias das picadas que iriam percorrer toda a noite em patrulha de reconhecimento. Prevenção.
Manuel António vai atrás, seguro de si, convicto da temeridade da ideia. Do que deixava ficar.
Os homens deambularam a noite toda e não encontraram a caça. Aos primeiros alvores da manhã entraram no quartel visivelmente cansados. Os rostos cor de cera. As pernas bambas, indolentes e iam-se deixando cair pelos cantos de encontro à caserna.
O Alferes conta os homens, reconta e ,em sobressalto, diz que falta um homem.
Chama-os um por um. manda alguém ás latrinas, ao interior da caserna, que voltam dizendo não haver ninguém mais.
Falta o Manuel António, o cabo.

09/06/2008

SCOLARI A MINISTRO DA EDUCAÇÃO

É uma Nação em festa. Bandeiras nas janelas, nos carros, em volta das pessoas em camisas , panos e outros artefactos. É o tema de todas as conversas. A selecção.
São um conjunto de jovens, briosos, elegantes, ricos e que do futebol têm o engenho e a arte não querem mais do que isso, ser da arte interpretes valorosos e de tal tirarem proveitos financeiros.
Mas o povo a Nação, que sempre se levanta por uma boa causa, enorme e em emoção se agiganta, vê, na selecção, a oportunidade de ser grande, de ver reconhecido o valor de ser Nação.
Tarefa dura, ser a parte maior da ambição, onde outros também o são.
Que interessa o poema, a ficção, as artes e as ciências do homem, da civilização, a medicina, A engenharia, onde a grandeza que somos é uma evidência, calada na propaganda de que somos os últimos em quase tudo o que edifica uma Nação?
Dirão que são pequenas ilhas sem honra Universal e que o futebol, isso sim, é toda uma Nação.
E não é Português, o homem que idealizou e conseguiu unir um povo inteiro à volta de uma ideia, a selecção. Seria desperdício cooptá-lo para Ministro da Educação?
Sabendo nós que o verdadeiro déficit do País, é na área da educação, porque espera o Primeiro Ministro?
Scolari, já a Ministro da Educação.

05/06/2008

UMA MULHER - UM BMW AZUL

É intenso o brilho do Sol na manhã fresca desta Primavera que tinha surgido ventosa e húmida quando há dias se iniciou o seu percurso , ciclo, anual.
A mulher era linda, bela no conjunto do seu esplendor. Os cabelos soltos, escuros, talvez negros refulgindo do Sol. E vestia um vestido negro de estilo imperial, Yves Saint Laurent. A sombra projectada no chão à saída de casa. A carteira de pele, em tons negros e branco. Branco era o casaco curto que trazia sobre o decote do vestido. Os óculos escuros de uma marca, por certo, conhecida e marcante de moda.
A pele clara escuro, ou moreno claro, a adivinhar-se macia. Sensualidade é a palavra adequada ao sentimento que nos subjaz da sua aparição há porta de casa e nos gestos com que procura a chave do carro azul estacionado na via junto ao passeio, um BMW série 5, último modelo, cujas performances ela sempre enaltecia nas conversas entre amigos.
Era o seu carro preferido pelo conforto, a técnica utilizada na construção do modelo e que permitia tirar partido de todas as suas potencialidades, velocidade versus segurança.
A morena do BMW tinha um toque especial de personalidade que deixava sobressair, na forma de andar e como olhava, de cima para baixo, ou em frente de si. Sensualidade. Confiança. Personalidade forte.
Entrou no automóvel com elegância e sentou-se no banco de pele macia e de cor creme ,o cinto de segurança , o motor a trabalhar numa cadência sussurrante e o arranque suave, moderado.
Na auto estrada que a trazia do Norte para Lisboa, uma mulher como tantas num carro potente e elegante, confortável, mas não só, porque era uma mulher pensante e que se tinha em conta na essência do ser.
Era uma mulher casada, com filhos e em desespero de amores impossíveis. No limite de si própria, ou no infinito do limite se considerarmos como limite o céu ou o pensamento que nos corre em paralelo com a razão.
Amar um outro que advém de se sentir em desequilíbrio na relação amor dever que mantém e de não saber conciliar a estrutura conseguida, estável ainda que desapaixonada, monótona, com o fogo intenso de uma paixão surgida em paralelo, ou em despique e desperdiçada por motivos mesquinhos ou de efeitos contrários em emoções factuais no momento da decisão.
O carro voa com a força do pensamento em abstracto da condução, ultrapassa os limites, amortece um pouco, preocupa-se num instante da realidade. E surge-lhe um sorriso nos lábios rosados, húmidos, sensuais.
É jovem, ainda, os seios firmes e a carne seca de efeitos excessivos .
O seu carácter não se coaduna com mudanças bruscas e inseguras. Por um lado a necessidade absoluta de querer tentar a sedução de uma evidência que a consome, que lhe dói, que quando confrontada em aparições públicas a faz estremecer, inflectir de si conceitos e temores antigos. Por outro, a lealdade a um projecto que sente do outro lado de si, o marido que tem do amor a ideia perene, sem um limite, ao correr do tempo e dos silêncios e que não vê nela a ambição de si, de ser reconhecida como um fim máximo de si, que precisa de elogios e de sentir força emotiva nas relações. Paixão.
A imagem sedutora carro mulher, mulher carro, como um só pensamento da imagem que nos fixa e nos ultrapassa, porque dois corpos distintos-
E depois, esta obsessão de saber se o que sente é traição, por amar um outro que não o compromisso. Mas como traição se não teve nem quer contacto físico que consubstancie um acto que projecta na mente , mas que recusa dentro do estado em que se situa, casada, mãe de filhos. E como conciliar na sua mente que ama o marido e faz amor frequente sem a interferência de oníricas imagens do amante que sente em si mas que de si não se transmite. E como reconhecer que não se transmite.
Leva as mãos à cabeça, num gesto que indicia a tentativa de afastar ideias confusas. E volta à raiz do problema: se eu não faço sexo com a pessoa. Se eu quando faço sexo com o meu marido, o amo e tenho prazer e não penso em mais ninguém. Se eu apesar do que sinto, amo o meu marido. Amarei? Amo!
É como se este amante fosse um exterior de si, uma outra mulher que conseguiu isolar de si, um outro amor, uma paixão que a satisfaz , mas que não interfere com a personagem que é mãe e esposa.
O que ela sente é de fora da casa. É de fora da família que tem e ama. É um exterior de si interiorizado em abstracto num outro recanto da sua essência e que não pesa na mulher do BMW azul. É como se possuísse duas almas que se distanciam e se reúnem em momentos a sós, como este, para se confirmarem na sua infinitude, enquanto linhas paralelas.
É isso, no emprego não assumia uma outra personagem? E em quantas situações se apoderou de criações próprias para se reforçar e se expandir em outras direcções, quantas vezes opostas?