31/03/2008

EU, homem,macho latino-ELA mulher, fêmea latina

Eu, homem, macho latino, hoje, aprontei a mesa para o almoço e o jantar. Já tinha preparado o pequeno almoço.
Arrumei a louça na máquina.
Levei o lixo para o caixote. Dei comer, restos, aos gatos a cães vadios, da rua.
Ela, fêmea Latina, hoje, pôs e tirou roupa por duas vezes, na máquina. Estendeu a roupa nas cordas e apanhou-a mais tarde, quando secas e antes de começar a chover. Desinfectou a casa de banho, o sitio do fogão, a cozinha, a sala, o quarto, fez o almoço, o jantar, engomou roupa e cozeu algumas peças, minhas e dela, desconcertadas e ainda lavou as escadas, que hoje era o nosso dia, isto é, dela.
Á noite, no balanço do dia, prometi que no futuro, se lá chegar com saúde, tomarei conta de mais algumas tarefas para a ajudar.
Quanto ao resto.!... Claro que levei nega.

27/03/2008

EU ( TU ) LOTUS

Ali, onde estavas, esplendorosa, onde bebia do néctar fértil das tuas palavras, na paz serena que procuravas, inquieta e bela, lançando pedaços de ti que eram comuns a tantos de nós.
Ali ,onde criei o hábito de acordar a meio da noite e postar-me, abstracto e sonhador, talvez sonâmbulo, sorvendo os teus doces tormentos, encontrar-te igualmente alerta, naquele teu espaço que eu reservara em absoluto para mim, que tornara meu, para te ter sempre presente,. na luta pela tua afirmação pessoal que me nos contagiava .
Ali, onde o mundo ganhava formas de ser no complemento abissal e cósmico de duas gerações comprometidas com passados distintos mas afins no desejo sublime de ser feliz.
Ali onde te coloquei, em pedestal de pétalas viçosas, como ídolo de adoração, e te dei todo o fogo do amor puro da amizade, me inquietei , me inquieto,por ti, na ânsia de saber se ainda és o Eu que idolatrei, se desististe de cumprir o teu destino.
Ali, minha amiga, reina agora o silêncio, o deserto, a desolação da dúvida, da culpa, de não ter sido suficiente, de não saber o que fazer, procurar-te, procurar-te, num espaço tão ilimitado e temer que não tenha tempo de ter a felicidade de voltar a deslumbrar-me com o teu sorriso lindo. adivinhado por entre brumas de esperança.

25/03/2008

NA VILA ONDE EU MORO NUNCA ACONTECE NADA

Na pequena vila onde eu moro, frente ao rio quase mar, eu diria que é metade do espaço visível desde a minha janela, esverdeado, a forte corrente, as gaivotas e os velhos que olham de frente, para a cidade grande da outra margem. E fazem gestos como se vissem tágides emersas, saltando atrevidas de onda em onda e lançando bolhas de espuma branca e dócil.

É uma Vila pacata, onde não acontece absolutamente nada e a partir da nove da noite já são raros os passantes ou erradios. Os cafés fecham cerca das dez Depois, é o silêncio. Deitar cedo para cedo erguer E voltar ao mesmo, observar, fazer conjecturas sobre o tempo.

Ao fim de semana, o passeio público de candeeiros SEC. XIX e palmeiras de difícil crescimento, enche-se do alarido das crianças, correndo, de bicicleta, em inconstantes desvarios, por vezes choros, enquanto outros, sossegados em casa, à espera que seja noite.

O relógio toca na igreja, as horas com avé Marias, as meias, as quartas, com badaladas gritantes. E ao meio dia, a sirene apita a anunciar a hora do almoço, como desde sempre, quando havia as fábricas do peixe, hoje em ruínas à espera do comprador ideal, do anúncio de uma ligação mais directa à outra margem, ou que o vento as vá reduzindo a pó e as solidifique para a posteridade.

A tapar a visão sobre a foz, sobre o mar imenso, sobre a outra margem mais à esquerda, Estoril, Cascais, A construção cinzenta, enorme, agigantada pela ganância de lucros elevados, os altaneiro silos de cereais que produzem eco nos ouvidos das pessoas e transpiram poeiras asfixiantes em tempo de ventos de feição direito à vila.

Na Vila onde eu moro, para saber noticias do que se passa, só a televisão, a rádio ou o computador quando ligado à Internet. E ás vezes as noticias falam de acontecimentos que aconteceram na Vila onde eu moro. E ninguém deu por nada.

autor: joão raimundo

21/03/2008

MEMÓRIAS DA GUERRA (K)

O Sol torra torra de sempre a incidir sobre o telhado de zinco, e ou ,luzalite, do edifício extenso e alto do refeitório das praças, à hora precisa em que o capitão procedia à prova do almoço e assinava o termo de responsabilidade para que fosse servido.
A algazarra do costume. Dezenas de vozes carentes de se fazerem ouvir. O silêncio à ordem de sentido, dada pelo furriel de serviço. Perfilados ao redor das mesas. Rostos magros de flores da pátria escolhidas ao pormenor e acreditando que a pátria é um valor acrescentado.
Ordenado que foi o : à vontade! Voltam as conversas, em rumores que se confundem com o tinir das marmitas de alumínio, a colher que retira o caldo de massa do interior da terrina, sem um verde esperança de legumes, só massa e batatas e talvez um fio de azeite.
O segundo prato, ou conduto, é repetitivo. Hoje massa, ontem arroz, amanhã batatas e sebo.
Digo sebo porque a parte da rês que tocava à soldadesca, à tropa macaca, compunha-se das partes mais gordas da carcaça. As febras eram destinadas a sargentos e oficiais.
Manuel António observava em silêncio a sofreguidão com que a maioria devorava a mixórdia aprovada pelo capitão. Só há uma forma de reclamar, prevista no código militar, e tem de ser em uníssono, o levantamento de rancho. Com aqueles alarves não era possível. O vinho ácido e quente. O pão, o verdadeiro maná.
Manuel António repetiu a sopa deslavada e trouxe o pão para o comer com leite achocolatado ou laranjada, em jeito de sopa feita e comida na hora (pedaço de pão na boca, golo do liquido doce e os dentes a torturar o pão assim embebido). Um maná.
À saída do refeitório apinhavam-se em fila ordenada, disciplinada, crianças e adolescentes, com latas vazias pedindo os restos de comida a troco da lavagem da marmita. Meninos e meninas sem escola nem profissão.
Passam mulheres de tronco nu, os seios flácidos, tripas caídas sobre o umbigo, os corpos magros de fomes antigas, velhas; as moças de seios rígidos, virgens de caricias , bajudas na linguagem crioula, intocáveis porque já prometidas, vendidas, agendadas; mulheres chamadas de grande, porque casadas, de seios redondos e fortes carregados de leite levando bebés atrelados às costas e crianças, púberes, uma leve tanga sobre a anca, os seios pequeninos a despontar.
Desfilam no seu andar cadenciado, sem pressas e trocam saudações e cospem no chão de terra amarelada e seca, perante os olhos gulosos da soldadesca em ressaca de afectos.
-Bunda di
É pessoal. Eu não é bajuda. Eu mulher grande. E cospem no chão sedento da parada.
Soldados tiram fotografias com alguma jovem de seios rígidos e colocam as mãos descaídas numa caricia marota que não encontra sensibilidade. Aqueles mamilos estão mortos. Aquelas mulheres não tem orgasmos. São meras peças da engrenagem da procriação e trabalham nas bolanhas, na moagem do arroz no pilão, na lavagem dos panos e túnicas.
À noite, volta o silêncio, apenas consentido o ruído do motor da geradora, que, de habitual, já não ressoa nos ouvidos dos homens que querem dormir.
Manuel António e o Vago mestre discutem as opções dos povos face à opressão do imperialismo das grandes potências. E concordam que é na luta pela emancipação, no sangue vertido em combates absurdos, na tragédia da fome e das violações sistemáticas, que os povos edificam a sua nação.

autor: joão raimundo

16/03/2008

SER PORTUGUÊS E ACREDITAR

Técnicos de acção social preconizam que só acima de 1.000 euros é possível viver com dignidade em Portugal, hoje, pode ler-se no correio da Manhã deste Domingo esplendoroso. E este constatar, que já tínhamos questionado no post"SE", abre um renovar de esperança para os milhares de Portugueses que ainda sobrevivem com 266.

O 13ª pecado, agora divulgado e agregado aos 7 originais, vem na mesma linha de esperança. Vamos, enfim, assistir à repartição dos excessos. O estado do Vaticano vai abrir os cofres, vender o ouro, os edifícios, as obras de arte, as participações em empresas milionárias e vai investir em pobreza. Os homens e mulheres mais ricos do mundo e que já doaram tudo a filantrópicas fundações personalizadas, vão canalizar os seus investimentos em pobreza.

Despertem os acossados pela fome, os insolventes, as vitimas da sedução do marketing, os malabaristas de orçamentos mitigados, porque estamos no limiar de uma nova ordem.

15/03/2008

AS MANIFESTAÇÕES E O LUCRO

Nas manifestações, tipo a realizada no último sábado, quem ganha são sempre os mesmos, os mandadores sem lei, os vampiros da economia global.

Autocarros alugados. Gasóleo e gasolina dos carros pessoais. Os restaurantes apinhados. O pano e a tinta dos cartazes. As energias, próprias, consumidas até à exaustão. O papel dos comunicados e dos folhetos distribuídos aos milhares.

E a luta continua. Nas escolas, professores de luto, deixando escapar impropérios contra a Ministra, o governo, usando até, quem sabe?, palavrões do fino vernáculo Nacional , perante alunos problemáticos, atentos a tudo o que seja revolta, porque eles são filhos da revolta, eles são a revolta.

No rescaldo, todos cantam vitória e, como os putos que éramos, fazem negaças: "- dei-te na cara!. Han! Han!, ganhei!"

13/03/2008

MEMÓRIAS DA GUERRA ( J )

- "Nós por cá todos bem. Envio beijos e abraços à minha mãe, pai, à Ermelinda ( O nosso filho já nasceu ?), aos meus avó e amigos ao ti Zé da taberna, com votos de um feliz Natal. Espero, em breve, estar na vossa companhia"
A fila era enorme sob o sol escaldante e obrigara à vinda dos T6 para prevenir o deflagrar de qualquer acção inimiga e proteger as vidas das senhoras do M.N.F e repórteres de imagem.
Os homens esforçavam-se por manter um ar natural e saudável, não obstante o sol implacável a provocar suores e a atracção da mosquitagem pelo liquido pegajoso. Todo o procedimento em perfeita obediência à disciplina militar, sem atropelos, sem pressas. Amanhã haveria nova sessão e quem não falasse, as palavras de uns serviriam para as famílias de todos. O tempo era curto e havia que estar em todos os locais.
Chegavam de helicóptero, as senhoras brancas de pele, maquilhagem a disfarçar a idade, saia abaixo do joelho, mais parecendo jagudis olhando a macacada na esperança de ver algum tombar para gáudio dos seus apetites lúdicos.
Traziam cigarros e bate estradas que distribuíam, trocando palavras avulsas de patriotismo e piadas descabidas do contexto. Antes trouxessem legumes.
Manuel António não foi contemplado na selecção das saudações Nataliceas. Estava conotado como elemento subversivo, embora pacífico, mas não fosse extravasar, . Não que qualquer mensagem abusiva pudesse chegar a casa das pessoas, a censura não o permitiria, mas o comandante gostava deste jovem, admirava a sua postura face ao conflito, a coerência de princípios, a humanidade na entreajuda aos companheiros.
Manuel António encaminhou-se para o edifício onde funcionava o armazém de géneros. O vago mestre fazia contas, ou rabiscava as faltas num caderno de folhas amareladas.
-Ainda bem que vieste, podes dar-me uma ajuda na contagem de produtos que estão lá em cima.
- Vamos a isso. Prefiro a continuar inserido na palhaçada das saudações.
Os produtos, cobertos de pó, pelo desuso, amordaçados em caixas de cartão ao alto, na última prateleira, revelaram-se, para Manuel António, como a descoberta de água num deserto e foi escrevendo no caderno amarelado, os títulos e a quantidade, meneando a cabeça, impaciente por acabar, descer e confrontar o amigo.
No armazém, junto ao tecto, o efeito de estufa que as frestas das telhas de luzalite só à noite amenizavam. A água escorrendo pelo corpo, a pegar-se como óleo de cheiro pestilento,Catinga.
Desceu a escada improvisada, repôs os níveis de água destilados, água fresca do frigorífico, privilégios, água salobra a lembrar o anúncio " a saúde está primeiro, beba água do vimeiro " e atacou.
- Então, meu amigo das conversas nocturnas, humanista dos quatro costados, a sopa é de massa com água, há meses e guardas os legumes sagrados para quê? Para encher os bolsos de quem?
- Legumes?! Estás louco? Quais legumes?
Manuel António pegou no caderno e cantou:
- Cenoura leofilizada, mil embalagens. Feijão verde, leofilizado, mil embalagens. cebola leofilizada, mil embalagens, batata leofilizada, mil embalagens. Ervilhas leofilizadas, mil embalagens.
O vago mestre mostrou surpresa sentida, afastando qualquer intuito de subtracção de riqueza. Simplesmente não sabia.
- A partir de amanhã podes contar com sopa de legumes todos os dias até ao fim dos produtos armazenados e não fales disto a ninguém.
E seguiram os dois, abraçados na cumplicidade, a imaginar o efeito do rancho ao almoço do dia seguinte.
Na parada, o sol a fazer-se ao ocaso, mais amarelo, como que atacado pela malária, as senhoras do M.N.F , perdido o viço inicial com a frescura da manhã, mas ainda assim cobiçadas por mentes desfalecidas de prazer.

Autor: João Raimundo

12/03/2008

AO MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE

Protesto pela violência e a humilhação de imporem aos trabalhadores Portugueses no desemprego, a medida de apresentações quinzenais para ter direito à prestação social.
E se esta medida é Universal, e não um espasmo de legislador local, apelo a Deus e ao Diabo, ou ou a um qualquer outro poder cósmico para que tal medida, vexatória dos direitos fundamentais do homem, seja mandada retirar da legislação laboral Portuguesa, e onde quer que ela subsista.

10/03/2008

EDITAL DA REPÚBLICA - OS PROFESSORES

Os professores devem ser avaliados. Não tem o Dever de se manifestar de forma afrontosa contra os seus superiores hierárquicos. Os alunos vão ficar menos respeitadores depois desta ofensiva.

Os professores devem ser avaliados pela sua componente pedagógica, não premiando os que se agarram ao ensino como amanuenses desmotivados.

É verdade que muitos professores não respeitam os alunos, nem os pais, nem o país que neles confiou a missão de formar pessoas mais capazes para enfrentar os desafios.

Estão habituados a faltar por motivos pessoais, sempre indeterminados. Alguns, quando começa o ano lectivo, já levam nas agendas as férias intercalares e a sua conjugação com as pontes entre feriados.

Habituados à escola dirigida centralmente pelo ministério, que sempre era um motivo de combate sindical, recusam a autonomia da administração da escola agora reformulada?

Os melhores mestres não saem à rua para para desqualificar uma colega, que chegou a ministra, sem trazerem na bagagem um projecto de opção.

Que fazer, senhores professores?

O s Portugueses que os senhores ensinam não são os menos qualificados da Europa?

Os trabalhadores Portugueses não são os menos produtivos da Europa?

Os hábitos de leitura dos Portugueses não são preocupantes face à dimensão da ignorância?

É urgente inverter a situação actual.

O governo e a ministra devem prosseguir com firmeza esta batalha pela educação, cedendo onde o bom senso mandar que ceda, porque nada é perfeito , e não se deixarem amedrontar pelo volume apregoado das manifestações, pois já os mandatários de Salazar convocavam a massa do povo ignaro e nós, os que anónimamente resistimos à opressão, não acreditamos que aquele era a maioria do nosso povo.

Por uma educação que nos atire definitivamente para a ribalta, pedimos os esforços de todos, governo, professores, pais e alunos. E continuamos a acreditar que os professores são o cerne da questão. Sem verdadeiros mestres motivados para ensinar, vamos continuar na cauda do mundo.

MEMÓRIAS DA GUERRA (H)

O manto de capim seco e amarelo à volta do acantonamento era passível de ocultar um qualquer avanço do inimigo, fugindo ao alerta da sentinela atenta e bem que podia ser cortado manhã cedo, quando o sol ainda desperta. Mas não. O comandante ordenava que a tarefa seria executada após o almoço, para quebrar a indolência e exacerbar a agressividade.

Manuel António cortava o capim e mais uns quantos, enquanto outros o amontoavam na clareira e procediam à queima. O cabelo curto, as faces magras, o suor deslizando pelo corpo nu, sussurrando entre dentes: filhos da puta!...

Ao longe, o som ritmado do pilão, o bater das palmas, a cantoria imperceptível de vozes juvenis, a sobressair do silêncio, Alexandra um amor enorme, do tamanho do mundo, o grito dos macacos em pequenas guerras absurdas na defesa dos direitos ancestrais, desde quando?

Acabada a tarefa, passos trémulos de cansaço, encontra o vago mestre, companheiro dos diálogos da noite,quando o barulho dos motores da geradora abafam a clareza das palavras subversivas, que o convida à orgia.

Na sala pequena da dispensa, uma terrina de sopa, dois, três litros, talvez mais, de uma mistura amarela, cerveja/vinho branco/gelo/açúcar, sobre a mesa tosca de madeira, e uma caneca, duas, de alumínio.

-Bebe, deves ter sede.

Bebeu. Era agradável. Bebeu mais. Perdeu a noção do tempo, a memória em amnésia compulsiva. Um e outro abraçados, dançando a um som que só eles ouviam, proferindo palavras de descrédito contra a instituição, contra os poderes que lhes retiraram a condição humana e os reduzira a uma subespécie, ordeira e contemplativa.

Vazaram a terrina, saíram, procurando dar um ar de compostura ao andar, equilíbrio impossível, zigue zague em direcção à caserna, o cérebro às voltas com a direcção certa. Deserto. Alguém que dá uma ajuda, soltando gargalhadas do ridículo. Cair na cama, o tecto às voltas. Parar. Parar. Vomitar até à bílis, o chão de cimento imundo, o cansaço. Adormeceu.

Autor: João Raimundo

DIALOGOS DA VIDA E DA MORTE

Soprava um vento forte, violento, que tudo arrastava pelo areal ensopado da baixa mar, soltando grãos pesados de areia tornada gume de corte fácil na pele macia do rosto do pescador de robalos.
Tempestade medonha. Faíscas de cruzar todo o céu visível e o som estridente, dos trovões, varrendo o silêncio da noite sem astros, estremecendo o homem que se atrevia, fortuitamente só, a desafiar os elementos imprevisíveis que se abatiam de um fôlego, sobre a figura vacilante em movimentos de ir e vir, puxando a linha, sentindo o puxa puxa do peixe fisgado, na tentativa de se libertar.
Tentava perceber a comunicação iniciada. Quantos estariam, naquele momento, prisioneiros desgarrados do homem bom que ele entendia ser.
Decidiu-se e iniciou a recolha da linha, saída do mar tormentoso, inclinada no sentido do vento, pesada, talvez presa em algum escolho vagueando no turbilhão da corrente.
Colhida a linha, o fio de nylon onde os anzóis escondidos em iscos artificiais procuravam seduzir os peixes mais ousados, surgiu na rebentação.
Com a aproximação de terra, os peixes soltavam as últimas energias na tentativa de, num golpe de sorte, evitarem a morte prematura. E foram chegando, depositados em terra firme, ainda presos, o afã do pescador acima e abaixo, para que não se perdesse algum. Os que ficavam na terra firme cobertos da areia levantada pela tempestade, batendo o rabo, ainda, em movimentos cada vez mais rápidos de agonia.
Os peixes tirados um a um dos anzóis, a recolha do aparelho para a cesta fabricada de canas verdes, o rosto molhado do pescador de olhos se mi-cerrados a evitar os bagos de areia.
A tempestade no auge. O regresso a casa, estupidamente só, carregado de peixe na noite escura sem astros no céu.
O pescador de robalos.

Autor: João Raimundo

02/03/2008

VAGABUNDO -

Lá vem o Zé da Arrábida descendo a rua levemente inclinada, ziguezagueando pelo passeio estreito, quase caindo, a roupa encardida pegada ao corpo, boné ao lado e a barba, a barba branqueada de muitos anos.

Vem bêbado, como sempre acontece desde que recebe a magra pensão mensal. Vinho e tabaco. Não dá para mais, Algum comer recolhe aqui e ali, só compra o vinho.

O Zé da Arrábida é uma espécie de vagabundo. Um profeta da desgraça.

Na casa onde vive, amontoa-se a imundice de anos desleixados, e objectos que vai encontrando na rua leva.os, à espera que sejam úteis.

Hoje te saúdo, Zé, com o advento da Primavera que aí vem.