14/12/2008

NOITE DE NATAL

a uma menina que sonha

Amanhecera claro, o dia, com o sol a tremelicar por entre nuvens que se esfumavam ao sabor da brisa que soprava de Nordeste, por detrás da montanha coberta de uma camada fina de neve.
O sincelo que cobria as árvores, dando-lhes um aspecto maravilhoso de bondade Natalicia, era como cristais de vidro resplandecente aos raios que do sol se expandiam alegremente.
Era um dia de paz, uma trégua instituída desde há séculos, assumida pelas mentalidades, desde a mais violenta, de modo a que um pouco de amor, de concórdia, de cinismo, tudo de mistura, se evidenciasse da amálgama de interesses, se evidenciase da materialidade onde o ódio e a impostura de principios reinavam na arrelia dos dias.
Maria Antónia tinha esperado este dia como o culminar de uma acção que preparava há anos, que se construía dentro dela, que sobressaía das atitudes. Ter atitude. Arrumar as ideias fervilhantes e confusas que a atormentavam, que a impediam de ver além do quadro negro que pintara nos últimos dias.
O namorado delsiludira-a. Dissera-lhe até que se tratava de um capricho, o facto de ela querer que ele deixasse de passar a consoada de Natal com os pais. Ela pensava que era possivel passarem os dois de uma forma diferente essa noite mitica. Sonhava com uma ceia a dois, enamorados, num restaurante de prestigio que a fizesse sonhar que já tinha ultrapassado, todos os obstáculos que sentia , a Universidade, o seu projecto profissional, ser mãe, sentir -se amada em toda a infinitude do seu ser mulher, e era ainda uma jovem que acabara de fazer dezoito anos...mas sonhava e, de tão mimada, tomara o hábito de satisfazer todas as suas aspirações.
O sonho acabaria num dos quartos da casa que ele tinha vazia do outro lado do rio, casa de férias da família, onde fizeram amor pela primeira vez.. Vazia de gente, e tão confortável que apetecia habitá-la, fazer dela a sua casa dos sonhos onde se encontrariam sempre que o desejo surgisse do interior do corpo e suplicasse à alma.
Deixara-a na dúvida se o faria. E era o que mais a perturbava, não ter certeza, certezas de nada, no momento em que pensava sobre si, dúvidas, dúvidas. Estaria certa na carreira que escolhera? Sentia falta de algo de mais substancial, de uma confiança extra, de fora de si, dissipadora das contradições que lhe afloravam a mente, a comprimiam , sufocavam.
Sentia a cabeça oca, como se tudo o que a compunha, o cerne de todas as decisões, tivesse desaparecido e a deixasse desamparada, indecisa, sem a vitalidade que a tonara respeitada entre colegas, amigas e mestres.
Maria Antónia tinha uma simpatia especial pelo seu mestre de comunicação escrita. Era um homem maduro que ela admirava e sentia até uma atracção subtil pelos seus cabelos louros , o seu ar de quem não receia nada, sereno, risonho e de palavras suaves e quentes que, quando o ouvia o seu pensar parava e o coração batia apressado. Mas era uma emoção diferente que não sabia explicar, diferente do que sentia com Pedro, o formigueiro no sexo, o desejo intenso...
Prguntara-lhes como iam passar o Natal, as famílias e dissera dele próprio que era com indiferença que olhava a quadra desde que, há anos, um acidente o deixara sem os bens mais preciosos, a mulher e a filha pequenina... Que sempre olhara o Natal como uma quadra propícia ao desenvolvimento do comércio, hipócrita e inibidora dos reais sentimentos que o homem mantinha encerrado no mais fundo de si. Um comércio dos sentimentos genuinos da criança ou da dádiva. Um dia instituido para dar, para a concórdia, para o perdão...
_O que vem ao de cima, o que se diz no momento, o que se faz, são apenas aflorações da razão,de algo que o incomoda, fruto, talvez, de incómodos que o atormentam pela sua trajectória individualista e material. _ E terminara com um feliz Natal pra todos.
Maria Antónia tinha essa afeição especial por Daniel, assim se chamava o mestre, que não sabia explicar muito bem e pensava nele, neste momento de si, em que revia os últimos acontecimentos com o seu namorado e se perguntava o que era na verdade ter amor, ser amada , amar. Se eram apenas palavras cujo significado se alterava na medida das conveniências, se amar não seria o mesmo para todas as pessoas.Se era apenas ter sexo, ou se consubstanciava em sexo, mais sexo, mais amor, infinitamente...ou se, por outro lado, era algo de transcendente, sentido pelos dois seres amantes, como que vindo misteriosamente do fundo da razão, un gene. Haveria um gene do amor, que se identificava com o o do outro, só perceptivel entre eles, genes, como se de um chip, uma transmissão cósmica de dentro do corpo ou da alma, inexplicável, intangível de fora de nós.
Sentia-se magoada com o Pedro Miguel, seu namorado. Sentira mesmo um gesto de enfado, ou de superioridade, como se a ideia dela fosse tão infantil que não merecia outro tratamento que não a rejeição pura e simples.
Maria Antónia estava nestas deambulações da mente, bela no seu cabelo loiro escuro, os olhos castanhos claros, a pele clara, fina, o seu corpo estava tenso, os lábios moviam-se inquietos. As mãos em gestos desapontados, como se falasse com alguém
Tê-la-ia deixado de amar? ele que a tivera em tantos momentos de deliciosas aventuras pelo corpo, os sexos, as experimentações, a aventura do desejo, a procura da satisfação total, incessante, porque havia sempre algo que ficara.
Tinha muitos amigos e amigas, que a adoravam, as sua prédicas bem falantes, o seu sentido de humanidade ante as injustiças, o seu vestir elegante, o perfume, os adornos de peças únicas da ourivesaria Portuguesa.
_Olá!..por aqui?!...
Daniel viera comprar alguns ingredientes para a sua noite de natal. Era um homem de mediana estatura, elegante no porte e vestia com esmero, um fato de estilo clássico, moderno, azul escuro, a camisa azul claro, o sobretudo preto e o cachecol, o cabelo louro e os olhos num tom claro de azul celeste. Era um homem de aparência alegre, de quem se gostava à primeira vista, comunicativo, conhecedor dos temas que aflorava e tinha um sorriso encantador. Olhando-o atentamente, ver-se-ia uma ponta de tristeza nos seus olhos.
Há vinte anos que cumpria um ritual, comprava a ceia de Natal, dispunha os acepipes pela mesa posta com delicadeza, os três lugares, as fotos delas ante cada prato, viradas para ele, do outro lado da mesa, em frente da janela de vista alargada sobre o rio. Colocava a música preferida do seu amor e comia, lentamente, pela noite dentro e meditava na ausência silenciosa dos entes que perdera mas que se perfilavam ali na sua presença, eternos em si e de si, elas, as suas flores de infinitos aromas . Os presentes dispostos num dos cantos da sala e a árvore de Natal com as luzes cintilantes que a mais pequena adorava.
_Professor Daniel, mas que surpresa agradável!...
Levantou-se e beijaram-se nas faces, sorridentes, luminosos os olhos e os sorrisos, numa combinação perfeita.
_Então menina, são 21 horas e a ceia de família?
Ela perturbou-se um pouco e de repente soltou as palavras como Daniel ensinara, um mote interior, de dentro, que se solta e parte à desfilada como cavalo espavorido, contou a recusa de Pedro Miguel, de como pensara uma noite diferente, provocantemente diferente, porque afrontosa dos conceitos instituídos e de como ele a recusara, se recusara e ela resolvera mentir à sua família dizendo que vinha com ele, que era maior e queria ser ela a conduzir a sua vontade.
Daniel Olhou Maria Antónia com emoção, segurou nas mãos delicadas que ela mantinha sobre a mesa do café, em cima da mala de pele escura. Quentes e macias, as mãos, a pele suave, mãos de menina.
_Queres passar a ceia comigo?...não...é melhor não...ou por outra, se quiseres, vem.
Maria Antónia olhou para ele entre incrédula e sorridente.
_Professor Daniel, hesitante!... não o reconheço!
Soltou uma gargalhada juvenil, em crescendo de melodia que o contagiou , o levou ao riso, alegre. Há quanto tempo não se ria assim, deste modo estranho, comunicante, efusivo?...
Cearam à luz de velas em silêncio. Apenas os olhos se cruzavam por momentos, os dois lugres ocupados plas fotos de corpo inteiro e ela, Maria Antónia, num espaço entre as duas, luminosa, solta, ruborizada pelo champanhe. "Que faço aqui?...Que sou ou represento?, mais confusões na minha cabeça, não..."
_Fez-me bem que tivesses vindo. Ela teria hoje a tua idade. És linda, inteligente, o amor é um sentimento multipessoal, amamos a pessoa a coisa, como se fora algo de nós. Não há amor fora do nosso próprio sentir em nós. Queremos ser e ter, mas só sendo podemos aspirar ao ter. Eu digo ,ás vezes, que o ser anula o ter. O ser é já em si bastante. Ser amor, uma bola infinita de amor.
Fumavam os dois no limiar da porta de acesso à varanda, um extenso terraço com vista para o rio. A noite gélida antes parecia aquecer os corpos esquecidos sob o umbral. O céu estrelado e limpo de nuvens.
_Daniel, isto que eu sinto, que sentimos, também é amor? Que tipo de amor?...
Ele abraçou-a e uma das mãos afagou-lhe os cabelos longos, seda macia e aromados e os dedos dela sobre as costas de Daniel. Um abraço de amor, os beijos dele sobre os cabelos, as lágrimas que se evadiam dos olhos de ambos, não eram dor, nem alegria, era um amor de dentro uma outra e estranha forma de amor...
FELIZ NATAL!

29/11/2008

CARTAS A UMA MULHER AUSENTE...A REBELDINHA

A lua, hoje, surgiu por entre os prédios longe na cidade, imensa de tamanho e escarlate. Era como se uma bola de fogo flamejante tivesse surgido do nada e avançasse na direcção de onde eu estava e se apoderasse de mim, dos meus sentidos de mim, reduzindo-me a esperança de ser eu o centro da gravidade dos acontecimentos que ao redor do meu corpo, me envolviam de fora para dentro.
Durante meses, talvez anos, escrevi-lhe cartas de a fazer regressar à vida que avidamente procurava e constantemente se desalentava de encontrar, de reconhecer como a vida que queria viver. Cartas que mantenho na memória activa, como se acabasse de as escrever, e ás quais não obtinha qualquer resposta. Acreditava que ela as lia, que lhe eram indispensáveis, que lhe transmitiam a energia positiva para sorrir. Para vencer a inércia em que enclausurara a alma.
Tudo começou, de nós, quando ela me disse que estava desesperada. Acreditara num homem, num projecto de amor para construir uma família, dera-se na sua totalidade e até engravidara o que fora uma alegria imensa por se realizar, ou ver-se na possibilidade de se realizar como mãe. Cumprir-se como mulher plena. O fogo da paixão, a juvenilidade do corpo na sua formosura, a casa comprada entre os dois, a decoração, o respirar os cheiros, os dele e os dela, entrelaçados como as ondas do mar. O orgulho de si, da sua congeminação de si, de como se criara em imagem indestrutível, de firmeza e carácter forte.
Amava aquele homem como um pedaço de si própria. E ia ter um filho com ele, de uma parte dele, dum acto de amor sublime, como se lembrava!...
Toda a infância em perdas irreparáveis da sua estrutura emocional. E agora, como um sonho até há bem pouco inimaginável, este projecto de vida a dois, quase a três porque o sentia de dentro de si, um embrião em crescimento, a evidenciar-se como ser absoluto, um ser ela em um outro. A alegria luminosa que a acompanhava desde que ao acordar, ainda quentes os corpos, ele a beijava e faziam amor ao começo da manhã.
Um dia sentira uma dor de enlouquecer. Uma dor de fora do mundo, de dentro de si mas fora. Dum lado de fora que teimava em ser dentro da sua alma. Sentira.se mal, desmaiara, perdera a noção de lutar por si, de se suplantar como sempre acontecera em momentos de perda de algo que julgava importante.
Quando acordou, estranhamente desavinda da sua racionalidade. Onde estava, o que acontecera?, que fazia ali deitada entre quatro paredes e mais dois rostos que a olhavam,
rostos amarelecidos, surpresos dela ali, pesarosos dela. E a enfermeira que a olhava igualmente, um sorriso nos lábios mortiços, sem a vida que um sorriso intui, a tentar animá-la a ela que , deitada ,sentia frio, um frio estranho sobre o quente das cobertas da cama, Brancas.
-Perdi-o!...
E estavam secos, os olhos, porque se recusava a chorar sobre si, porque se fortalecera contra todos os elementos. Secos mas tristes. E estava só. O tipo com quem trocara juras de amor, a quem se entregara com a alma em chamas de paixão, porque acreditara em tudo o que ele lhe dissera. Sim, desertara, dissera-lhe palavras dolorosas, infames, que se iria embora se ela não conseguisse dar-lhe um filho. Que era uma vadia que andara a foder com uns e com outros e agora não aguentava um embrião no útero. Chamou-lhe bêbada, que talvez se tivesse drogado, prostituído.
Ela sabia que não, que tudo o que fizera fora em busca de um projecto de vida. Trabalhava 12 horas por dia para ser independente. Tinha sentimentos de amor, tinha paixão por pessoas e por ser mãe. E tinha a sua rebeldia, dava-se toda excepto na sua rebeldia, que era como que uma espécie de essência da sua totalidade.
O ser rebelde, nela, era não se deixar possuir, não se deixar ser objecto de ornamento, de posse, de ser de alguém que não ela própria. "A minha filha, a minha namorada, a minha mulher". Ela também não tinha nada de seu a não ser o que sentia que era e mesmo isso, a cada momento, mudava, já não era no momento seguinte.Tinha um nome, uma imagem, um sorriso, uma reputação de frívola nos amores.
-Sim, perdeste-o. Tinha uma deficiência grave.
-Não precisa dizer mais. Apenas saber que o perdi, o meu bebé. Talvez seja melhor que assim fosse...
Eu tinha-te escrito uma mensagem talvez de esperança, sem saber nada de ti, apenas as palavras, curtas as palavras, que me tinhas enviado.

"Não sei se sonhei com as tuas vitórias se adormeci sobre a tua alma e todas as emoções que tive ontem já de madrugada. Acordei com uma sensação de leveza e quando fui ao espelho olhar-me de fora de mim para dentro, senti o fogo desta emoção que é ter-te desperta, gritante dos teus valores que são imensos e cheios de virtudes.
Escrevo provavelmente disparates, mas fiquei eufórico de ti. Consegui ver a tua imagem na crista da onda. É uma imagem bela, não sei se gostas, os teus cabelos negros esvoaçando ao vento e tu gritando, saiam da frente que sou rebelde, sorriso lindo nos teus lábios de menina e já tão bela mulher, e já tão sofrida mulher, mas o sofrer trás maturidade, não amolece, antes vivifica o carácter indomável de viver e enfrentar tudo com a coragem de uma mulher Capricorniana.
Haverá uma mulher Capricorniana? Um lado feminino que cultiva igualmente a persistência, a vontade de ser melhor, a ambição de ser melhor.? Um ir ao fundo e voltar porque está no cimo o que se persegue e queremos alcançar a todo o custo?
Saúdo o teu dia, a tua semana, os segundos, os minutos, as horas. Saúdo o teu cheiro, o teu sorriso, o teu corpo, a tua alma, os teus passos firmes e decidios.Saúdo a tua voz doce e mordaz quando tiver que ser, a tua alegria de ti, porque só tu interessas meu amor de amiga.
Chorei contigo, choro contigo esta tua alegria de viver.. Eu vivenciei momentos similares não há muito tempo, uma dúzia de anos. E fui o mais alegre e querido dos personagens da vida que vivi.
Um bom dia para ti amiga, amor de amiga, na onda vou a teu lado, do lado de fora de ti, para que ninguém traiçoeiro te desvie do rumo, enquanto quiseres que vá."

Escrevo as palavras na esperança de te encontrar que elas te encontrem receptiva, te dêem a certeza que estás acompanhada e embora não receba noticias de ti, acredito que estás a resistir, não aos elementos exteriores que te magoaram, que te magoam, mas um resistir de ti a ti. Acredito na tua juventude, na sabedoria que consubstancia todo o teu viver. E vejo-te como um símbolo perfeito de uma imagem de mulher que faz parte da mudança, duma nova era ou ordem de coisas, de valores, que se desenha nos horizontes da humanidade. Há um mar de gente à tua espera, de olhos postos no que fazes para sair do labirinto que te armaram, e como o fazes...
E nada, do lado de lá de mim, onde tu estás, onde penso que te agitas, individualista, a congeminar hipóteses que se coadunem com os projectos, onde falta sempre um qualquer elemento indefinido, uma falta rebelde, que se rebela contra a tua própria rebeldia. Insisto.

"Sinto todo o turbilhão na tua vida e queria ser um pilar. Uma âncora. Uma mola potente que te catapultasse para níveis superiores do teu ser mulher.
Sinto que estou do lado de fora do teu tempo, ainda que pudesse ser um tempo ameno para a tua alma perturbada. É demasiado brutal tudo o que envolve a tua existência, embora eu pense que é sempre possível vencer a resistência que de dentro nos determina a solidão quando se impunha a união de esforços concertados e com o único interesse de te ajudar à libertação da alma, pela compreensão dos fenómenos que te comprimem e sufocam.
Quero dizer-te que não gosto da forma como encaras a solução de ti enquanto menina e enquanto mulher. Penso que não deves isolar-te. Perder não é sair vencida, perder é natural quando se joga e tu jogas uma parte de ti. Ainda que penses que jogaste tudo, não acredites, é algo de ti que faz Bluff, nunca jogamos tudo e ficamos cá para ver. Viveste um quarto de século de vida e há mais três quartos por viver, vamos a eles. Não como amantes do corpo, mas como amantes da alma, tu e eu, na distância do tempo
Façamos uma análise desapaixonada, como se lêssemos a contabilidade de uma loja de antiguidades. Descobrir o fio da meada que .que fez surgir em ti um ser mulher diferente das demais. Fazer evidenciar de ti todas as virtude, e são muitas. Amiga és uma menina muito virtuosa. É preciso reconstruir uma nova imagem da rebelde, construa-mo-la.
É preciso erradicar todos os conflitos que navegam no teu sangue e te povoam a alma e o corpo. erradique-mo-los.
Linda menina, amiga de mim. Não quero que percas o sorriso. Podes perder quase tudo, mas o sorriso não.
Estou aqui. Não posso partir ao teu encontro e no entanto parto, desta forma igualmente sã e onde podes responder aos teus anseios, desnudar-te dos teus mistérios. Vais ver que são tigres de papel e que tu és mais poderosa. Fazes parte da nova ordem, quero que faças...
Amiga, aceita a minha amizade. Sê rebelde."

A Lua cor de fogo está agora sobre mim. Posso ver o recorte das montanhas, ou dos vales ,saliências da evidente beleza intuída de um rosto belo de mulher. Lembro-me de antes de sabermos que eram montes, crateras, depressões e imaginávamos nela o rosto da nossa amada, ainda antes de sabermos, ou dizermos que a Lua é mentirosa porque não tinham sido inventadas as palavras.
Digo-te ainda que tu és uma solução do problema, como a água pura, o alimento das almas inquietas, uma parte da essência com que se constrói a paz e o amor.
Ficarei à espera, amiga, à tua espera, dum sinal teu, do infinito de onde te sei ou sinto que sei...

11/11/2008

SEI QUE NÃO SEI, MAS ATIRO PEDRAS...

Sei que não sei, mas atiro pedras cruzadas, sem rumo certo, nem alvo fixo, como quem pergunta, na salada de respostas que me interiorizam, se há um lado certo, ou se apenas um momento certo, uma conveniência de grupo, para determinar a justeza dos acontecimentos.
Hoje sei, saberei?..., que nenhum homem é suficientemente importante, ou capaz em si próprio, para se afirmar como a evidência de todos os outros, como a esperança, como o condutor das vontades de um universo maior que aquele que ele é na realidade, como o salvador ou o guia da desesperança, nem para ser aceite como tal.
A análise das leis do Universo Humano pode ser feita através de um único ser, mas ele,ou isso, não determina que ele seja mais superior que qualquer outro, enquanto individualidade. Porque será sempre uma análise subjectiva, de ele enquanto potência de si próprio e ou ao serviço de outros interesses, manipulado ou engajado ou principescamente pago para direccionar o seu discurso na direcção pretendida pela entidade ou grupo de entidades, que detém o poder real da matéria sobre o espirito.
Poderei dizer, igualmente, o mesmo pressuposto em relação aos que pretendem direccionar o rumo do espirito sobre a matéria, com mais probabilidades, até, de acertar, porque esses devem o seu sucesso comprovado, hoje decadente, à custa da afirmação dos outros, dos da matéria, na esperança de nos submeter pela espiritualidade.
Teremos de começar pelo homem e o circulo amplo da amizade,ou da empatia psíquica e ou hormonal, ou pela força dos músculos ou da violência congénita, ainda no banco da escola, quando ele se destaca pela facilidade da aprendizagem e a sua transposição para a realidade, exteriorização de sentimentos que captam a empatia geral, ou de um número considerável de condiscípulos e mestres.
A sua luminosidade exposta granjeia antipatias em outros grupos. E aí, ou ele se rodeia de um grupo forte que o adula e protege, que se serve da sua mais valia intelectual e o condiciona na sua liberdade total, ou se reduz, progressivamente, a uma anónima progressão subjectiva da sua totalidade. Seduzido por si próprio, muitas vezes é ele que se deixa enredar nas teias complexas das relações entre pessoas e grupos, porque cada pessoa é um Universo, e um conjunto não forma forçosamente uma unidade, mas um agrupamento de individualidades em disputa por cada afirmação de si próprio, ainda que pareçam concordar com a ideia geral, ou com o elemento que lidera o projecto ou ideia. Há uma aparente unidade de contrários, quando o fim em vista é o poder real, ou a parte dele que interessa em determinado momento de tempo.
O líder é apenas um personagem que, mercê das suas qualidades estéticas, da sua maleabilidade face aos poderes de facto, se propõe ser o cabeça de cartaz de uma fantasia de poder. Ele destaca-se pelo que diz e a forma como o diz, não pelo que faz, porque efectivamente ele não pode fazer muito do que se propõe em propaganda. O líder é um tipo de homem flexível na sua aparente inflexibilidade. A máscara do carácter cai quando a rigidez dos conceitos se abate sobre si próprio.
Quando eramos crianças, há uns anos atrás, quando nos cerceavam a vontade da descoberta com a palavra e a imagem de Deus. Quando nos amordaçavam com os castigos corporais e psicológicos, nos impunham a austeridade dum chefe implacável ante os nossos erros, tínhamos medo de tantas pequenas coisas que nos habituámos a engrandecer, como um papão a evitar. Um dirigente do estado era como que o dono de todos nós e ele era-o por vontade de Deus, logo , devíamos-lhe obediência cega. E eles acreditavam no seu poder sobre nós quando nos viam curvar ás suas ordens e decretos. E abusavam de nós, da nossa credulidade até um limite que só eles julgavam saber, o da nossa resistência ao fim da passividade das almas ordenadas em obediência a Deus.
Poderemos dizer hoje que o mito de Deus acabou, que toda a trama dos poderes, dos medos, se desmoronou e o homem se vê, como há milénios, de novo só, mas mais sábio,mais só e sem conhecer o seu rumo , nem a razão de ser da sua sobrevivência enquanto animal de "inteligência superior".
Hoje sabemos que o homem de inteligência superior, que aproveita as experiências acumuladas para as transformar, criar ou recriar em favor do nosso pretenso bem estar, não é um imediatista, nem lidera qualquer causa humanitária, que é a essência dele próprio enquanto sábio.
O poder é de lobies, desde logo no cimo da pirâmide do poder, mas igualmente em todos os campos da nossa existência, mesmo no trabalho, os sindicatos, mesmo no local de emprego, o grupo dos que adulam o chefe, mesmo na amizade, os intriguistas, mesmo no amor, os convencidos da sua materialidade, mesmo em cada um de nós, o conjunto das bactérias que num dado momento, nos anulam a imunidade adquirida.
Isto para dizer que a vitória de uma qualquer individualidade numa eleição Nacional ou mundial, não é a vitória dum preceito, mas apenas de um conceito. Ele obedece a regras estanques que o cerceiam na sua acção. Ele é um produto do marketing criado para promover produtos e o homem enquanto produto a consumir por outros homens. Tem qualidades a prazo, desde logo o de comunicação. Mas as palavras esgotam-se em discursos perante a paralisia da acção e o desencadear das crises do conjunto.
As crises mundiais, podem ser vistas um pouco como as pragas de Deus aos egípcios, deixaram apenas de ser sete. E são criadas para movimentação cíclica dos grupos de poder, para que possam aparecer os seus produtos de nova geração, como a solução salvadora das nossas inquietudes. E para que nos aquietemos na nossa sede de mudança, de querermos ser tidos em conta.
Insisto numa direcção, não tão rígida que se queira impor, mas reflexiva ela própria, de dentro e de fora da ideia: com a queda do mito de Deus e do papão, o comum dos homens despertou, procurou saber mais da sua história, rebuscou na essência do seu ser reminiscências das origens, abdicou do seguidismo de lideres e procurou assumir-se como líder de si mesmo, é uma procura que persiste, em cujo centro evolutivo estamos a viver os momentos da mudança. Extinguem-se os resquícios da submissão, tanto se chama ladrão ao que nos rouba presencialmente, como ao que nos encurta o orçamento no silêncio dos gabinetes. Perdemos o medo. Aceitámos a emancipação da mulher, como um dado adquirido, uma evidência tão afirmativa que pasmamos de a ter permitido. Ainda há quem apelide de traição quando apenas assumimos uma expressão sentida do nosso amor a uma causa. Mas isso é o desespero da desesperança.
O homem aprende-se de si próprio e ergue-se majestoso na sua humanidade de novo tipo, a requerer a formação de um novo lóbie Universal, o lóbie dos sábios, não dos catedráticos emplumados em conceitos estereotipados da realidade , que não o têm como fim, a ele homem,. Dos sábios mesmo, os humildes que não querem ser tidos como superiores, que legam as suas ideias sem recolha de fundos, para que sejam moldadas ás conveniências dos que se julgam hoje imortais e tudo detroem, a fauna e a floresta, o ambiente e a paz salutar entre tudo o que respira.
Esse lóbie dos sábios, que terá em conta o homem em si mesmo e o que de fora dele o sustém enquanto membro de um Universo complexo, despretensioso de poder, utilizando a sabedoria como arma única de pacificação explosiva está na crista da onda da mutação que se desenha no horizonte do tempo.

07/11/2008

UMA HISTÓRIA DE NATAL!...

O AMOR DOS SIMPLES...
I
Nasceu ao quinto dia num mês frio, Janeiro, daquele ano de sessenta e era o terceiro filho da família que já tinha um casal e que se projectava em quantos a vida lhes proporcionar, como dádivas de Deus e frutos de se amarem nos corpos e nas almas.
Cresceu feliz, até ao dia em que o pai sucumbiu a uma cirrose galopante o que fez com que se alterassem os destinos de todos eles, interrompendo estudos e projectos sonhados. Porque a vida é sonho e o sonho acrescenta vida .
Carlos Alberto era um rapaz elegante, altura média, cabelos e olhos castanhos, olhos leais, sorriso nos lábios e sempre amável para os amigos e os colegas do trabalho que precocemente tivera que abarcar. Tinha uma paixão e um sonho que o acompanhava de menino, a descoberta de como os brinquedos electrónicos se moviam ao simples toque de um botão, daí a todos os aparelhos que faziam parte do seu quotidiano, uma curiosidade para descobrir o principio e o meio da ciência electrónica. Desmanchava aparelhos, reconstruía e foi ganhando amor a essa forma de recuperar aqueles que o tempo e o uso colocara fora de serviço. Fez até um curso de electrónica por correspondência, que lhe trouxe bases importantes para as suas aventuras de descoberta ao funcionamento dos mecanismos.
O trabalho de estafeta que fazia na empresa, não era de todo monótono. É certo que via quase sempre as mesmas pessoas, mas foi-se habituando a descobrir que cada momento era diferente, como se as pessoas mudassem de dia para dia, de instante para o seguinte.
Conheceu uma jovem por quem se enamorou, uma jovem atrevida, bonitinha, mas fácil na forma como se dispunha à partilha das intimidades, ter sexo com ela, não foi um deslumbramento. Ficou-lhe um vazio para o qual não encontrava resposta, como quando um aparelho tinha tudo para funcionar e ao carregar o botão, não acontecia nada...
Naquele dia ao entrar no escritório, distribuindo bons dias pelos que ia encontrando, parou de repente, sentindo um calafrio estranho por todo o corpo, sentindo-se preso de uns olhos castanhos, uma pele clara e aqueles cabelos compridos, castanhos como os dele. Linda, linda, linda, mas que mulher!!!...pensou e dirigiu-se a ela para a saudar.
_Olá princesa! És a nova telefonista, ou os meus olhos estão noutra galáxia?
Ela, tímida e lisonjeada por tão principesca saudação a que nunca fora habituada, presa, num primeiro instante, naquela figura galante de olhos tão brilhantes como nunca vira em outro homem. Embora, filha única, tivesse recebido todos os mimos que se podem imaginar
_Sim, sou a nova telefonista, muito prazer. Chamo-me Clara Branca das Neves. E o senhor, quem é?
_Qual senhor, sou apenas um colega e estou encantado por te conhecer, por te sentir tão menina num corpo formoso de mulher, vais ver que nos iremos dar bem. Sou o Carlos Alberto, mas os amigos tratam-me por Carlos.
Ficaram a olhar-se, por momentos e foi ela quem primeiro desviou o olhar, numa timidez inocente, para se dedicar ao atendimento telefónico.
Carlos passou todo o dia com a imagem de Clara no pensamento. Uma figura de menina dócil, mas convicta do que pretendia, bonita, a voz sedutora, as maminhas harmoniosas sob a camisola de lã de cor rosa debruada a azul na gola junto ao pescoço, deixando este a descoberto, alto, a pedir beijos e devaneios que povoavam a sua mente. Vestia calças ele preferia ver-lhe as pernas, talvez até sentisse o cheiro emanado do seu corpo.
Carlos e Clara, brincaram com as palavras, ele galante, ela difícil, teimosa em reconhecer que era amor o que se vislumbrava das conversas amigas em crescendo de ansiedade e de fervor das almas enamoradas. Até que ele se decidiu a tomar a iniciativa.
Naquele dia acordou com a ideia de avançar para a consolidação desse sentimento que o absorvia na quase totalidade do seu ser e que sentia nela, como que a convidá-lo a entrar na sua vida, pela porta grande da frente, com decoro e cumprindo toda a tradição em que foram educados.
Carlos comprou um lindo anel de noivado. A caixinha era grená, de veludo, e quando a abria, o brilho das pedras preciosas ofuscavam-lhe os olhos e era também a comoção. Sim,um homem também chora, quando o momento é o do grande amor da sua vida.
Clara não sabia o que dizer naquele momento em que ele, de mãos trémulas apertando a caixa, a voz segura e quente:
_Clarinha, eu amo-te. Aceitas casar comigo?
Toda ela corou. As mãos inquietas, os olhos luzidios, os lábios entreabrindo-se num sorriso incandescente, o coração a 100 há hora como ela gostava de dizer, como o sentia há muito sempre que o via a ele, o seu Carlos.
_Sim, Carlos, eu amo-te muito e aceito casar contigo, mas primeiro vamos conhecer-nos melhor, namorar.
Ele disse que sim. Com a cabeça, com todo o corpo que se aproximou dela e numa manifestação súbita, ou esperada, deu-lhe um beijo ao de leve nos lábios carnudos e húmidos e sentiu que os corpos, o dele e o dela tinham estremecido, como se um choque eléctrico tivesse ocorrido e os aproximasse em correntes de afectos sublimes.
Em volta deles, por detrás do momento superior que viviam, os colegas aplaudiram, com palavras de parabéns e desejos de felicidade.
II
Durante cerca de quadro anos namoraram em edilicos momentos de absorção de si próprios, um no outro, com birras e amuos, seguidos de pazes feitas com mimos e outras fantasias, passeios de mão dada junto à foz, tentativas de sedução dele, para que fizessem amor, unissem os sexos numa evidência de amor que sentiam, do interior de si, ás vezes violentos, os desejos, os anseios, o cio de cada um, o cheiro indutor que se exalava dos corpos numa emanação natural que os sentimentos fortaleciam e se testavam à rigidez dos principios.
Clara fazia questão de casar virgem. Era um sonho de menina, podiam beijar-se, envolver-se em afagos, podia até mexer-lhe nas maminhas, beijá-las, mexer-lhe no sexo, beijá-lo se quisesse e ela faria o mesmo com ele, o que lhe desse prazer dela, de estar com ela, mas sexo com sexo, fazer amor, só depois do acto solene do casamento.
E ele aceitava, ardendo de desejo, mas aceitava, porque sentia por aquela mulher um amor profundo, um sentimento de respeito por tudo o que nela era um simbolo de pureza. Aceitava que fosse ela a decidir, era uma manifestação da sua, dela, maturidade, ante os desvarios infantis dele, homem, a pensar apenas na sua satisfação libidinosa.
Chegou o dia do casamento.Um primeiro de Agosto quente que marcaria para sempre as suas vidas em comum. O nervosismo e a alegria de mistura com os sentidos da enorme responsabilidade do acto que iam consumar e de finalmente puderem dar azo a toda a imaginação dos corpos em conluio para a construção da sua felicidade. Entrar nela e ela senti-lo na sua totalidade, no seu corpo.
A festa reuniu as famílias de ambos, e amigos, em alegre convívio onde o comer foi farto e a alegria esfuziante se contagiou de uns para outros, até que a hora do voo se aproximava, para os levar à Madeira, onde projectaram a lua de mel, impondo que partissem.
A lua de mel na Ilha da Madeira foi paradisíaca. A Ilha é um paraíso e rodeada de mar que eles tanto amavam, foi um cenário maravilhoso que os envolveu . Fizeram sexo a noite toda, em explorações dóceis dos corpos e das sensações produzidas. Ele, mais experiente, foi-lhe ensinando do que sabia. Ela ,plenamente confiante do seu amor, deixando-se conduzir, confiante e absorvendo todas as delicias de ser amada até à exaustão. Juraram amor eterno e fidelidade aos principios do projecto comum que agora encetavam. Foram doces delírios das almas apaixonadas.
Compraram casa, na sua cidade, o Porto, para viverem, suficientemente grande para a prole que se perspectivaram ter.
Clara queria ser mãe. Carlos ansiava por ser pai. Ambos faziam projectos para esse evento maravilhoso que os extrapolaria para a eternidade. A vida fluía, simples, por entre as dificuldades que surgiam dia a dia, pequenos nadas que os enervavam, problemas das famílias de origem para cujo entendimento apelavam constantemente ao amor que sentiam um pelo outro e por si próprios enquanto parte do outro, para se entenderem, para se continuarem a amar.
Foi ela quem sugeriu que fossem ao médico, que fizessem exames, para saberem a razão de não engravidar, se havia uma falha genética ou apenas biológica, se era possivel emendar o que estivesse errado. E foram.
Os resultados dela eram animadores, nada obstava a que tivesse filhos, ser mãe. Carlos, que tivera a coragem de se submeter ao teste, ao contrário de tantos outros, que sempre consideraram que o problema de gravidez era sempre da mulher e que quando elas, após um curto tratamento, apareciam grávidas, exaltavam as suas razões, de como estavam certos, sem cuidarem de por em causa se o filho era efectivamente deles ou de um outro a que a mulher cansada de se sentir desprezada, acorrera numa conjugação de afectos para ser mãe.
Sentiu que o mundo lhe caía em cima quando os resultados lhe trouxeram a evidência da sua infertilidade. Chorou, angustiou-se, sozinho na penumbra de uma casa de banho pública, onde se refugiara, como se sentisse todo o peso da multidão da rua, como se todos os olhos o apontassem como a causa e o efeito da sua nulidade procriadora.
À noite, no sossego da casa grande, Carlos e Clara discutiram a nova realidade, partindo do zero, ele colocou tudo à disposição da mulher amada. Podiam divorciar-se e ela encontraria um homem que a estimasse e lhe desse a possibilidade de ser mãe. Clarinha dizia que não, enroscando-se no corpo dele, á procura dele, do todo dele que se esvaía nas palavras. Podiam tentar a fertilização in vitro recorrendo a dador anónimo. Clarinha, que não, ser mãe só através dele, o seu amado Carlinhos. Ele insistia com soluções que ela podia ter um amante, de entre um dos amigos com quem simpatizasse mais, só por uns dias, até engravidar. Clarinha que não, que ele era louco, tolo, que perdera o juízo, ela aceitava não ser mãe, sem traumas. Era a vontade de Deus. Se Deus os juntara e Deus sabia que o sémen dele era infértil, ela submetia-se dócilmente à vontade de Deus. E abraçaram-se com ternura, beijaram-se, agarraram-se das palavras e dos sentimentos que deles saíra em votos de amor e fortaleceram-se na nobreza das suas decisões. Não seriam pais, nem biológicos nem afectivos. E selaram-se em sexo, como nunca até então, num frenesim de amantes na doce loucura do amor.
III
Clara conheceu um homem mais velho de quem se tornou amiga. Apresentou-o ao marido e falaram de generalidades. Era um homem de palavra fácil, palavras sedutoras que atraíam imagens de sonhos inventados. Ele falava de tudo com naturalidade, de sexo, de amores, infidelidades, de prazeres que a libido construía sem que a pudéssemos controlar. Falava de aromas e sabores, de amores absolutos e ela, Clarinha, adorava ouvi-lo, de se confrontar consigo própria e com o seu amor próprio, que reafirmava a cada teste de Anastácio Bandarra, era assim que se chamava este amigo, que viera do sul com a intenção de se fixar no Porto, caso as suas ideias se consolidassem, se materializassem em alguém predisposto a aceitar as suas teorias de vulnerabilidade da alma, quando o corpo insiste para que se completem os ciclos do absoluto, no amor e na vida em amor.
Carlos Alberto tinha plena confiança em Clarinha, nem se importava que ele, Anastácio Bandarra, a tratasse familiarmente por minha querida amiga, ou simplesmente por querida Clarinha.
Acresce dizer que Carlos Alberto tinha concebido um dispositivo electrónico capaz de captar a grande distância imagens e sons, ainda que difusos e que colocara um em cada salto dos sapatos de Clarinha, era um sonho a realizar-se.
Não que a quisesse controlar, mas era a única possibilidade que tinha de testar o seu invento, e não dissera nada para não estragar a surpresa que lhe faria neste Natal, com as gravações de todos os passos que ela dera.
Anastácio Bandarra tinha uma fixação teórica em Clarinha, pela sua personalidade teimosa , mas dócil ao sentido das palavras, como se fosse uma contradição, um absurdo de ser e não ser, pela sedução do seu olhar e do seu sorriso, pela beleza do seu todo de mulher e considerava um desafio importante que ela se recusasse a ser mãe por amor ao seu marido. Era um homem a caminho dos sessenta anos, charmoso, cabelo grisalho e pele morena, galante no trato e quente nas palavras, que direccionava com precisão no rumo certo do que pretendia.
Ele convidou-a para saírem, num dia em que Carlos resolvera ir assistir a um jogo de Futebol que prometia grande excitação e Clarinha recusara acompanhá-lo, por não se sentir motivada para o evento.
Falaram da natureza, do mar, de países distantes, das relações entre homens e mulheres, de amor e de amizade, de amor de amigo, amor da alma que não tinha a necessidade de amar o corpo, de ter do corpo a fruição total ou abstracta.
_Sim, eu sinto uma grande amizade por ti, a que poderia chamar um outro tipo de amor, que não o que sinto pelo meu marido.
_E serias capaz de me beijar?
Clarinha corou e sorriu, olhando-o nos olhos e agarrando nos ombros dele deu-lhe um beijo no lado esquerdo do rosto.
_Já dei!...
Ele riu-se com gosto, gargalhou durante segundos entre sorrisos e palavras inteligíveis.
_Assim não vale, miúda querida. Eu dizia na boca, nos lábios, molhados pela língua, chupar a língua.
_Nunca beijei com a língua, apenas encosto de lábios, o meu Carlos não gosta. É tolo, mas eu respeito tudo do meu Carlos, o meu amor..
Anastácio Bandarra olhou surpreso a naturalidade daquela mulher que estava com ele, que ouvia dele as palavras e não desarmava de amar o seu marido, onde outras, carentes de fantasias eróticas, se deleitariam por envolver-se num romance de desvarios amorosos.
_Aluguei aqui uma casa, queres ver?
_Sim, não me importo.
Clarinha acreditava na sua intuição. Sentia que por vezes era demasiado crédula, alguma ingenuidade fora de moda, mas não se dera mal até então, se bem que neste momento, aquele homem era quase um desconhecido. Tinham-se falado à distância e era praticamente a segunda vez que se encontravam. Sentia sinceridade naqueles olhos, ainda que por vezes malandros, atrevidos, mas pareciam-lhe leais.
Anastácio Bandarra fechou a porta à chave, retirando-a da fechadura. Era um rés do chão alto, com grades nas janelas e com uma vista soberba sobre o Douro.
_Que tomas?
_Apenas água. Tens aqui uma bela casa!...E a vista é linda.
_Sabes, Clarinha, trouxe-te aqui porque quero dar-te todos os prazeres que ainda desconheces, chupar-te a língua em beijos ardentes de sedução, beijar-te o sexo húmido dos fluidos das sensações que te faço sentir, penetrar em ti no auge quase absoluto do prazer de dois corpos que se interiorizam, atingir o absoluto pleno dos corpos exaltados pela libido e fazer-te ter um filho meu, nosso que criaremos longe. Numa Ilha, se gostas de ilhas que pode ser a Madeira, ou nos Açores. Ou numa outra cidade, Nova Iorque, Londres, Paris ou Barcelona. Sou rico, viverás como uma princesa, serás mãe. Ser mãe.
As palavras sussurradas de Anastácio Bandarra, não a fizeram desviar os olhos do seu Douro amado. E foi dizendo, com a maior naturalidade, como se não estivesse refém de uma alma, ou pensamento, de homem alucinado por um objectivo em que ela era a razão.
_Mas sabes que só faria tudo o que dissestes se fosse com o meu marido. Amo muito o meu Carlos, de uma forma que não sei bem como explicar. Estamos casados há dez anos... Quando o vejo, ainda hoje, o meu coração acelera a 100 à hora. Contigo, só se me forçasses, amarrando-me, me violasses, me matasses e devassasses o meu corpo inerte. E eu não acredito que fosses capaz de o fazer. Sou tua amiga, só te quero como amigo...
Anastácio Bandarra olhou de frente aqueles olhos castanhos, límpidos, leais e ternos, onde toda a doçura de um coração bom se espelhava.
Alguém bate à porta com estrondo.
_Clarinha!...Estás aí, meu amor? Estás viva?...
Era uma voz ansiosa, aflita. Angustiada que repetia as pancadas na porta e os gritos que exigiam uma resposta rápida, antes que arrombasse a porta com a força que um homem vai buscar nestes momentos, vá lá saber-se onde .
_Estou aqui, meu amor, meu Carlos querido, não me aconteceu nada, não se passa nada.
Clarinha correu para a porta e apanhou a chave que Anastácio Bandarra lhe estendeu, abrindo-a e recebendo nos seus braços o corpo amado.
Carlos Alberto, o rosto congestionado pela angústia e a raiva, afastou-a da frente e brandindo uma faca de cozinha dirigiu-se para Anastácio Bandarra que se encolheu a um dos cantos da sala. Clarinha gritou-lhe.
_Não!....Carlos, meu amor, não faças mal ao nosso amigo, estávamos apenas em amena cavaqueira amiga. Não se passou nada de estranho. Apenas as palavras. Mas como descobriste a casa?
_Não se passou nada e estão aqui fechados? Ele queria por certo violar-te. Eu acredito em tudo de ti, que não vieste de livre vontade, mas ele...
_Vamos para a nossa casa, explicar-nos-emos melhor.
Clarinha aproximou-se de Anastácio Bandarra e deu-lhe um beijo sobre os lábios.
Saíram ambos, Clarinha e Carlos, de mãos dadas, serena ela e ele ainda inquietado pela ansiedade da busca e pela emotividade do encontro.
O carro parecia voar. Ele olhava-a docemente e ela retribuía com o seu olhar apaixonado de menina.
Já em casa, na casa grande que compraram com as economias de cada um, sentaram-se de frente , os olhos amantes de cada um em particular e do todo que são como um só.
_Foi apenas um teste que Deus me quis fazer. A ver, talvez, se estou pronta para mais dez anos de amor profundo com o único amor da minha vida, tu, meu Carlos adorado. E vai ser Natal...E tu? Como me descobriste, meu amor?
Carlos olhou-a surpreso, os olhos toldados pela comoção do momento, acreditando tudo dela, bebendo tudo dela, ele que acreditava que a mulher é que é o sexo superior, ou deveria ser. Descalçou-lhe um dos sapatos.
_Sabes Clarinha, meu amor, inventei um mecanismo que procurei testar em ti sem o saberes. Aquela maquineta que vês ali é um difusor e receptor de sons e imagens, com gps, ouço as palavras e sei sempre onde estás, se te acontecesse alguma coisa, como um rapto. A transmissão é feita através desta espécie de chip que introduzi no salto dos teus sapatos.
Clara Branca das Neves levantou-se e abraçou-o com paixão e êxtase.
_Meu amor, Deus testou-nos na totalidade da nossa pequena grandeza face a Ele e saímos ambos bem desse teste maravilhoso. Amo-te sempre!...Meu Carlinhos querido!...Feliz Natal!...
_Amo-te sempre, minha doce mulher!..Minha Clarinha amada!...Feliz Natal!...
E amaram-se noite dentro, já Natal, prendando-se de inusitadas emoções, num pleno absoluto de duas almas e dois corpos consubstanciados na plenitude infinita do amor.

Autor: J.R.G.

É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um homem, de uma mulher. Uma oferta de Natal ou aniversário.
Escreverei por encomenda, preços a partir de 60 Euros, de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.

J.R.G.

01/11/2008

AO MEU NETO - COM AMOR!...

São 50 centímetros de gente, que se movimenta em pequenos gestos de abrir e fechar de mãos, esticar os pés, bocejar, caretas que querem talvez afugentar espíritos que procuram entrar na sua alma iniciada.
Emite sons que já são uma comunicação e olha-me nos olhos, um pouco estranho de mim, como quem quer inteirar-se do que sou, se sou, quem sou. Enterneço-me de o olhar, de o sentir e levanto-o nos meus braços, aconchego-o ao meu peito e ele deixa-se ficar. Aceitou-me. E é , somos, já, uma evidência um do outro
Coloco um dos meus dedos entre uma das suas mãos pequeninas, os dedos dele esguios, longos, e a mão fecha-se sobre o meu dedo, numa primeira saudação, a dizer que me aceita, que podemos vir a descobrir juntos outros caminhos...
Fecha os olhos e dorme enquanto lhe observo os pequenos movimentos com que procura fixar-se na vida. E relembro nele os meus filhos, os traços que se afirmam indeléveis, os lábios,o mexer dos lábios, o queixo saliente, mas sobretudo a expectativa do ser que irão sendo, que foram sendo e que são hoje e que ele, esta pequena parte de mim, irá ser, sendo, a cada momento.
Olho os seus cabelos negros e a penugem que o cobre nas partes visíveis do corpo. E penso que seria assim, talvez tivesse sido, quando tudo começou, e as crias nasciam num qualquer recanto da natureza. Os pelos como vestimenta única e universal de igualitarismo.
Chama-se Pedro e é, segundo as convenções que organizam as hierarquias da família, meu neto. Eu chamo-lhe uma parte de mim. Não é meu, não sou dele, somos uma ligação intemporal e imaterial da espécie.
Nasceste Escorpião, como a avó, e vais por certo saber amar e sofrer, e ganhar vencendo todas as barreiras.
Temos genes comuns e vamos provavelmente amar-nos como só nós sabemos amar.
Olho as tuas mãos que se fecham e se abrem, como se me quisesses dizer, desde já, recebo e dou, recebo e dou, ou dou e recebo, dou e recebo...E fico na dúvida em qual dos dois termos deverei iniciar-te...ou de cujo espírito já vens imbuído...
Os teus olhos miram-me de novo, franzes a testa , semi cerras os olhos, interrogas-me, interrogas-te. Quem és?... Quem sou?...E eu não tenho respostas, meu amor...

29/10/2008

PARABÉNS - MEU AMOR!...

Lembro-me de quando nasceste, a bacia da água quente e o teu pai encolhido a um canto,expectante de saber se eras menino ou menina, se berravas, se eras loira ou morena, se eras linda e a azáfama da tia Zéfa, a parteira do pequeno burgo que botava a mão em todas as cabeças que assomavam a toca de todo o mundo, a pedir mais água quente...O sangue a placenta, e tu já tão grande, os cabelos negros e a pele morena, gritando a alegria de respirar um tempo que ainda não sabias difícil.
Era um dia frio de Outono, folhas secas, fenecidas da estiagem prolongada , esvoaçavam de um para outro lado aos arrepios do vento que soprava agreste. Pescadores faziam-se ao rio, as águas mexidas, dificultando as remadas e o avanço lento das pequenas lanchas que partiam à cata do pão.
Lembro-me porque me contaste, porque te contaram, em registo falado, descrito ao pormenor de radiografia. Lendas do teu nascer.
A chamada grande guerra estava no auge da carnificina entre as várias facções que se digladiavam pela partilha do mundo e das suas riquezas, constituindo-se, o ganhador, como a potência hegemónica a quem todos prestariam vassalagem.
Havia duas concepções principais e que se destacavam pela violência dos gestos e das palavras: A dos opressores e a dos oprimidos. E tu nascestes do lado dos últimos, mas já dotada de um espírito rebelde e insubmisso, pela forma como reclamavas os teus direitos de viver.
Hoje faz anos que nascestes e eu quero saudar o ter-te conhecido anos mais tarde, então a mais linda das jovens deste burgo, que alguma vez os meus olhos haviam visto. O teu sorriso, as tuas gargalhadas de alegria, as palavras que te saíam bem sonantes, doces, cultas. E o teu corpo harmonioso, os olhos verdes de um verde raro porque imbuído de outras nuances de verde e de castanho. A tua pele macia e os odores do teu corpo que me prendiam de ti.
Faz hoje anos que nascestes, sem o que, não teria sentido a frescura do teu aroma, o cheiro cativante a sexo em plenos de cio, a magnitude do teu olhar sobre mim e a vida que nos predestinavas, os ensinamentos de amor que me proporcionaste.
Amámo-nos como nunca talvez alguém tivesse amado, numa simbiose perfeita de almas e corpos, consubstanciados numa vontade indómita de sermos um só ser em duas essências próprias, como se fôssemos duas almas e um só corpo com o mesmo objectivo de atingir um infinito de prazer.
Acreditamos no poder deste amor, sentimento de dentro de nós, que nos transformou em seres mandantes dos elementos de fora de nós. E revestimo-nos de protecção inflexível a todas as investidas adversas. Jurámos amor eterno e cumprimos, cumpriste.
Eu não, eu fui o ser mais abjecto, o personagem insidioso do romance em que transformei a nossa vivência. Omiti-te devaneios com outras mulheres. Infidelidades, traições. Alterei os conceitos para mos permitir e considerar que não ofendia a tua essência. Que permanecia intocável a nossa ideia de amor absoluto. E tu perdoaste sempre,magnânima da tua integridade, da tua sublimidade de ser mulher e bela. Vejo o teu porte altivo, inteiro de ti, insubmisso, afagando-me os cabelos com um sorriso de condescendência pelas minhas fraquezas e sorrio-me do teu nascimento, do teu destino de mim, como um só.
Hoje fazes anos, meu amor e ofereço-te um sorriso,uma flor que se alinda na cor dos teus olhos, ciente que me perdoas a mais aviltante das traições. Porque me interpretas como uma outra parte do teu ser, a mais fraca, mas de ti, indestrutível de ti. indissociável do teu ser e da essência que nos assimilou como um todo.
Parabéns, meu amor, vamos visitar as coisas simples que vivemos intensamente. A minha mão na tua mão, o vento sopra de sudoeste, e ambos sorrimos à vida que ainda somos.
No alto da falésia, o miradouro dos amantes, para onde corríamos despertos da liberdade de sermos pessoas, inocentes ávidos de tudo que nos parecia belo, a ver o sol que se evadia deste espaço numa festa de cores que nos envolviam nos beijos que apaixonadamente nos dávamos.
Descemos à praia. O areal já não é o mesmo, encolheu de tanta maldade que lhe fizeram, mas ainda há um espaço onde podemos amar-nos como nunca nos amámos antes.
E talvez no pleno do orgasmo uma onda atrevida nos baptize a sensação maior de nos amarmos.
Quero cantar hoje,que fazes anos a grandeza eterna de seres mulher. Mulher maior, como nenhuma outra que conheci. Mulher mãe, sem limites. Mulher amante, fulgurosa, luxuriante que me elevaste a paixão de ser amado.
Feliz aniversário, meu amor, tão jovem sempre no meu olhar......tão linda, tão bela no teu sorriso de esperança. Vamos viver!...

26/10/2008

LEILA - VIDÊNCIAS DA ALMA

A vida sempre lhe sorrira fértil em sonhos que se iam transformando em realidades que sugeriam novos sonhos, numa sucessão infinita de probabilidades pensadas nos sonhos e que partiam de si alegremente à conquista da luz e da alma que as solidificasse em realidade.
Vivia numa cidade pequena dos estado de Minas, mulata, de corpo altivo e olhos luminosos de uma vivacidade que a tornavam temida, porque as suas palavras eram cortantes, não ofendiam, mas cortavam dos sonhos alheios, a magia .
Casou e projectou viver em harmonia uma vida plena de momentos doces de felicidade. Sabia que dois destinos, duas almas, duas vontades, era algo de diferente, não era pai, não era mãe, era ela e um outro ser, um homem que lhe parecia uma alma capaz de complementar as insuficiências que via inscritas nos seu sonhos.
Tiveram três filhos, na ânsia de se multiplicarem, de se expandirem em amor. Três filhos lindos que eram o seu orgulho de ser mãe.
O marido de Leila, seu Raimundo, que sempre mostrara uma total afeição pela esposa, sofria de um mal psíquico que não estava totalmente descoberto, nem de si, nem em si e se mantinha num secretismo absoluto, no mais profundo leito da sua alma.
Um dia em que Leila saiu para umas compras de Sábado de manhã, ela que era uma mãe muito possessiva, terna, previdente, quando estava nas compras sentiu uma sensação estranha vinda de dentro a tomar-lhe o pensamento todo, a apertar-lhe o peito, a descompassar-lhe as batidas do coração. E deu como que um grito: Não!...e saiu disparada,deixando as compras no carrinho do super mercado.
Correu esbaforida para sua casa que era térrea e tinha um quintal grande onde plantava flores e alguns legumes para suprir necessidades básicas e que tinha um poço de grande profundidade, fundo escuro, fundo mágico onde o seu rosto por vezes ondulava quando atirava pequenas pedras para lá e as águas se agitavam em círculos luminosos que lhe transmitiam sinais.
E eram esses círculos ou sinais que a alertavam agora, para algo de terrível que estaria para acontecer.
O quadro que se lhe deparou era Dantesco: seu Raimundo amarrara os três filhos e os colocara num carrinho de mão de transportar terra e com um deles, que se debatia e gritava, em seus braços, preparava-se para os atirar para o fundo do poço.
Leila, manteve o sangue frio e pegando num ferro que estava por ali abandonado, ou que alguém , ou Deus, colocara ali, correu na direcção de seu Raimundo e zás, derrubou-o com uma única pancada.
Desamarrou os filhotes, chamou o socorro para o marido inerte e partiu para casa de um irmão, Flávio, que a acolheu e queria partir para acabar com seu Raimundo. Leila não o permitiu. Agora havia que partir para outra situação. Não podia continuar naquele lugar e não confiar mais em deixar seus filhos sós.
Entregou-se ao sonho dia e noite. Raimundo escapara ao golpe e estava no hospital se recuperando. Leila contactou seus irmãos que estavam em Portugal que, alertando-a para as dificuldades da integração a entusiasmaram a partir em vez de viver enclausurada no seu imenso Brasil tendo um marido fixado na morte de seus próprios filhos.
Congeminou o sonho, espartilhou-o, reuniu pedaços que colou, projectou sua nova vida num país estranho, mas onde a língua e a cultura se assemelhavam. Haveria de encontrar gente de bem. Consolidou o sonho como uma predição e era já a realidade que a transportava no enorme avião em que se estreava como viajante dos ares, tão próxima de onde lhe vinham os sonhos.
Aceitou a indicação de um irmão para que ficasse numa cidade pequena, junto ao mar, de onde sempre podia imaginar o seu Brasil ao fundo, quando se desce, seguindo a inclinação do por do sol.
Viveu dias de grande dificuldade, de não ter o que comer, mas as crianças era o que mais a incomodava, Ter comer para as crianças. Leila sempre acreditava que havia de criar seus filhos e só depois morrer. Projectou ajudas e encontrou almas que se dispuseram a dar-lhe ferramentas de defesa e de construção dos seus alicerces para sobreviver à enxurrada.
Gente certa no lugar certo e que tinha da ideia de proporcionar ensinamentos para pescar, uma outra realidade e que era a de que, até se aprender, era preciso ter de comer e onde ficar.
E foi assim que de sonho positivo em sonho positivo, extrapolando do sonho a sua realidade a que era e a que queria, que alugou casa, obteve ajuda oficial, sobrealogou a um amigo de infância caído do céu, um quarto vazio, e foi montando um salão de cabeleireiro para cujo sucesso muito contribuiu a sua arte, o seu optimismo e a partilha de tudo o que sentia de positivo com aquelas almas que a ajudavam.
Os filhos cresciam, saudáveis e felizes. Persistiam dificuldades, mas menores, um pouco mais de tempo, sem pressas, e conseguiria . Foi então que lhe sobreveio um diagnóstico médico que a deixou abalada. Seu rim estava desfeito, sem cura, era preciso encontrar um dador compatível urgentemente e a inscreveram desde logo em lista de espera para transplante e que procurasse junto da família, alguém que se dispusesse e fosse compatível.
Escreveu para Minas, a seu irmão Flávio, que era de todos o que sentia mais no interior de si própria e ele a ela, como se fossem ou tivessem sido projectados para gémeos.
Ele respondeu de imediato, que marcasse a consulta para os testes que ele vinha logo. E veio. Era uma tarde quente daquele Verão Estiado, o sol no pino do dia a transmitir força à sua alma sonhadora que acreditava com um sorriso num desfecho positivo que a libertaria do sufoco de se saber condenada a não cuidar mais de seus filhos.
Feitos os testes, o irmão era compatível e estava disposto a doar-lhe um rim para que ela sobrevivesse. Se tudo corresse bem, ambos festejariam o mistério da continuidade de suas almas sobre a vastidão do Planeta.
Leila lembrou-se de dar uma festa enquanto aguardava o dia ,já marcado, para a operação de transplante. Todos os dias eram uma festa do seu espírito positivo, mas esta seria uma festa em que reuniria amigos e amigas que sentia tão próximos de si que eram como se a sua alma poisasse em cada um deles sempre que queria descansar. Além de que a preocupava, não por si, mas pelo irmão. A operação podia correr mal e morriam os dois, mas podia morrer só um deles. Se fosse ela, já estava destinada, mas o irmão que estava são, seria uma dor que a acompanharia toda a vida se sobrevivesse. Mas queria acreditar no sucesso total.
A festa ia animada, noite dentro, Leila, seu irmão Flávio e os amigos, musica Brasileira, samba e canções de sucesso no Brasil e em todo o mundo. O telemóvel toca insistentemente, mas o ruído da música abafava, as vozes em uníssono que se reuniam na orgia das almas. Os copos de mão em mão, mais cerveja, caipirinhas, e é quando algo a aproxima do local de onde pode ouvir o toque nítido, agora evidente, do celular, que a chama.
Atende e ouve, do outro lado, como se de si,ou de um além estranho, a voz afável e quente que lhe diz:
_Leila!...
_Sim, sou eu!...
_Leila, ainda bem que está em casa. Temos um rim disponível, uma pessoa que acabou de morrer, tem de estar pela manhã cedo no hospital,seis horas. Pode?...Quer?:::
_Sim, lá estarei, vou já se quer!...
Respondeu tudo automático, como se fosse uma outra pessoa, uma outra de si, ainda longe da realidade da festa quando se virou e gritou num tom de alegria imensa.
_Gente!...Parou a música!...
Todos se calaram, os olhos apreensivos de entre a névoa do álcool, de entre o eco das cantigas da Pátria longínqua, atentos ás palavras.
_Gente, eu sabia, eu sentia que Deus não queria submeter o meu Flávio a esta prova de amor. Tenho um dador e vai ser já daqui a pouco que vou ser operada.
Um grito de alegria, mais cerveja, mais música e Leila e Flávio abraçados , chorando como uma só alma na orgia da festa.
A operação correu bem e Leila regressou a casa, casa vazia de seus amores, os filhos ficaram com um irmão dela até que tudo em si voltasse à normalidade. Vivia só, Leila, com seus sonhos, havia de ter uma casa dela, um marido que a respeitasse e que com ela quisesse romper as brumas que se envolviam no sonho. Ser feliz, criar os seus filhos.
No hospital disseram que se sentisse alguma perturbação fosse directo lá. Nada de outros hospitais.
Estava ela nas congeminações de tornar realidades novos sonhos, quando começou a sentir um calor imenso que a percorria e se instalava, como se um fogo de chama e labareda sem fumo, sem aviso prévio a quisesse consumir lentamente. Tentou levantar-se e caiu no chão, os pensamentos longe. Ouvia tocar o telefone, mas não via o telefone. O pensamento nos filhos, sentia que ia morrer. E não queria morrer sem ter cumprido o que achava de direito, ter os filhos criados, os filhos que salvara do poço, os filhos que não pediram para nascer, os filhos que eram toda a luz da sua alma. E o telefone que tocava e não o via, não sabia de onde esse barulho estranho que ela própria instalara. Ia morrer, Ia morrer...
Lá está, com esforço, arrastando o corpo cada vez mais pesado, o volume a aumentar, o seu corpo ainda esbelto, agora disforme,
_Leila!...Leila!...
Ouvia a voz de Ana, uma amiga de cá, do coração, da alma e a voz que não lhe saía....
_Ana, vou morrer!...
-Leila, vou já para aí, abra a porta e ponha um sapato, alguma coisa, que mantenha a porta. Vou já para ai...
Abriu a porta de baixo, colocou um sapato a impedir que a porta se fechasse e deixou-se ficar, sentia que a vida se esvaia de todo. Os filhos...
Ana chegou e depara-se com o quadro indescritível, o corpo inchado de Leila, a febre elevada e a voz dela, sussurrante.
_Ana, eu não vou morrer sem ter criado meus filhos. Me leva, Ana...
Ana chama a emergência, os bombeiros chegam rápido mas querem levar Leila cumprindo os preceitos legais, primeiro o hospital de residência. Ana discute com eles a urgência de a levar ao hospital que a operou, eram essas as indicações.
Exaltam-se, discutem e Ana toma uma resolução.
_Ajudem-me a coloca-la no meu carro eu levo-a!...
Os bombeiros Olham-na surpreendidos e executam o pedido. Ana parte a toda a velocidade.
Vai sem controlo emocional, olha o corpo de Leila que arde a seu lado, mal respira, julga que a leva morta, conduz todo o trajecto como se fosse uma outra pessoa e não ela. Vocifera contra o trânsito que lhe obstrui a passagem, buzina.
Não sabe muito bem onde fica o hospital mas guia o carro por estradas e ruas, sons e cheiros de um corpo que lhe parece já não ser. e, de repente, o nome do hospital ante os seus olhos, como se uma visão e não uma realidade, como se algo ou alguém que não ela a tivesse conduzido com a precisão infalível de um mecanismo irreal, absurdo.
Viu o corpo que a urgência levava e aguardou na sala um veredicto que se recusava a acreditar. Leila...
O médico surgiu como uma visão aos olhos de Ana.
_E então Dr.?...
_Salva por um milagre da prontidão com que a trouxe.
Leila, tudo projectado mulher, por entre as brumas do sonho



É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita de Natal ou Aniversário.

J.R.G.

18/10/2008

MEMÓRIAS DA GUERRA - MATAR OU MORRER!...

Vaga lumes luziam em silêncio por entre o capim de hastes delgadas e cheiros impertinentes que se alojavam nos corpos e no interior de cada um, como um estigma de amor.
As botas enterravam-se na água lamacenta das bolanhas vazias de arroz, talvez densamente povoadas de repteis e outros anfíbios ou semi anfíbios, ou peixes sem nome e de outras pequeníssimas espécies de habitantes aquáticos, que fugiam espavoridos a cada passo e ao ruído surdo do chap chap cuidadoso de cada passada.
Eram duas longas filas de homens que se entregavam aos mais variados pensamentos, entre a atenção sobre a floresta escura, e algum ruído indissociável do perigo que pressentiam avindo da sua densidade impenetrável.
Manuel António seguia na fila da esquerda, a mais distante da orla da mata. decidira não fazer a barba. Tomara o banho antes de se deitar e escrevera uma carta longa para Alexandra. Não uma despedida, mas uma carta densa de amor de projectos ao porvir. O filho que queriam ter. O filho deles, varão. Queria um menino, não porque desgostasse de uma menina, mas tinha receio de não ser capaz de a educar.
Atrás dele, o Fátima, sussurrava Pais nossos e Avé Marias, um rosário entre o gatilho da espingarda e a mão que segurava o cano, junto ao carregador de munições. A voz pastosa quase inaudível, uma ladainha.
Na sua frente, passos trôpegos, gingando ora para um ora para outro lado ao peso das granadas de Bazooka, e do bagaço que ingeria sempre que havia uma operação de combate, o Cortegaça, espalhafatoso na parada do quartel ,barafustando contra tudo e todos, agora mudo, congeminando sabe-se lá o quê ou contra quem.
Estropiados. Nenhum deles queria sair dali estropiado. Antes morrer. E iam ficando, sem o saberem, sem darem por isso a cada estremecer do coração, ao estalido vindo da mata, ao riso súbito, aviltante, dos macacos despertos pelo cheiro humano irrompendo pelo seu habitat. Seguiam o trilho que alguém erudito traçara com nuances hipócritas de ser o melhor para os homens, o mais seguro e capaz de surpreender o inimigo. Um risco sobre o papel rijo e amarelado do mapa e de onde sobressaía a mancha verde da floresta e o local exacto do acampamento ou aldeia a destruir.
Manuel António é um pacifista. Não quer matar. Não quer destruir o lar de ninguém. Aceitou de si, vir por amor. Acreditando que era possível vir e voltar sem que tivesse ocorrido nada do que temia, matar, por exemplo. Não pensava na sua própria morte, mas o acto de matar um outro ser que ele admirava, que ele amava e a quem não podia dizer uma palavra se se encontrassem frente a frente. Era matar ou morrer, sem uma palavra. O mais rápido, o menos surpreso, o sangue mais frio, ou o dedo mais hábil. Matar ou morrer.
Sentia as lágrimas ofuscar-lhe a visão.
As pernas começavam a pesar, de molhados, os uniformes ganhavam uma pressão intransigente sobre as pernas. A noite ainda densa e eis que se chegam ao local do assalto. Os homens são dispostos ao redor da aldeia para que não escape nada nem ninguém. Casas de lama e capim. Uma clareira castanha no verde da mata. África.
É dada a ordem e como uma mola, os que estavam instruídos para a tomada do objectivo, lançam-se confiantes que não terão oposição, sobre as casas de onde começam a sair animais de criação, galos galinhas e porcos. Das casas, aos gritos indecifráveis porque de dialectos tribais ou étnicos, saem mulheres de idade, crianças, velhos que vociferam contra os invasores. Ouvem-se disparos de metralhadoras de armas ligeiras, gritos de filhos da puta, cabrões e outros selváticos de dentro, da raiva de estar ali e não querer ou de gostar desta farsa de ser homem. Há fumo, labaredas que se propagam ao capim envolvente das palhotas, o choro das crianças cansadas de correr em volta. O ranho, as lágrimas ,o suor de mistura com o pó e o cisco das palhas ardidas.Imagem Dantesca no dealbar da madrugada.
Manuel António está na retaguarda , dos que fazem segurança à chacina dos bens e da dignidade de uns tantos que resolveram tomar o partido dos bandidos e observa aterrado o vai e vem dos homens possessos. Homens, como ele. Dum povo que vive amordaçado e convencido que é dono de outros povos tão longe. E pensa que é tão responsável como os que executam.
Feita a operação, trazidos alguns prisioneiros, mulheres e crianças, para servir de aviso à restante população rebelde, iniciam o regresso, constatando que não havia armas, nem gente armada, nem Turras, naquelas miseras palhotas no interior da mata.
O mesmo caminho de regresso. "Olha o papão. Deus nosso Senhor castiga-te." Lembrava-se, de quando era criança e fazia um estrago, os ralhos adultos, o olhar severo, do lado de fora e de cima de si, poderosos e ele franzino, dois palmos de gente, tremendo de medo pelos castigos...
O sol apareceu e trouxe a habitual nuvem de mosquitos sugadores dos suores entretanto expelidos pelos poros dos corpos cansados. A mesma tensão, agora acrescida pelo medo de qualquer retaliação. Os rostos têm uma cor macilenta. Os olhos salientes, as pálpebras inchadas. Manuel António é o penúltimo porque o Fátima fazia questão de ser o último. Era Fátima. Sentia-se imbuído dum espírito de protecção.
Soam tiros de costureirinha, assim chamada porque o som parecia o de uma máquina de coser roupas. Explosões de morteiro 62. Os homens espalham-se pelo chão e disparam as suas armas na direcção da mata.
Manuel António repara que o Fátima está inerte, que geme baixo e nota-lhe uma mancha negra junto ao ombro. O tiroteio é intenso. Ouvem-se gritos de perto, em Crioulo que os mandam para a sua terra, que lhes chamam bandidos. Julga ver vultos que correm tão perto e pensa que é desta que não vai escapar. Levanta-se um pouco para amparar o Fátima, arrastá-lo para junto do enfermeiro que, transido de medo espumava da boca seca e pastosa dum suco horrendo entre branco e castanho, sangue. Por momentos pensa que o Fátima cumprira a sua missão, o quer que fosse, bala ou estilhaço de granada, se ele fosse o último, seria ele o atingido.
Manuel António voltou para a sua posição, rastejando e de cócoras, olhos na mata e dá com ele,os olhos dele luminosos, os dentes brancos, um lenço vermelho sujo enrolado na cabeça. É um homem como ele, mas está do outro lado da vida. Grunhe palavras inteligíveis e dispara na sua direcção. Rápido estende-se e rebola no chão de capim. Ouve os silvos das balas sobre si. Angústia. os passos que se movem rápidos e dispara gritando: Alexandraaaaaaa!!!! dispara um carregador e outro que conseguiu enfiar entre tremores.
_Já o mataste!.
Era uma voz conhecida. Palmadas nos seus ombros, nas costas, os tiros ainda que se afastavam. Névoa no interior do cérebro. Saliva acre que teimava em escorrer-lhe de dentro de si
_Mataste-o pá. Porra! O Cortegaça, já sóbrio, sem o peso das granadas de bazooka entretanto despejadas.
_Eu?! Incrédulo, ele, Manuel António, a levantar-se atordoado, a apalpar.se e a cuspir a ver se era sangue o que teimava em escorrer de si, por entre os seu lábios. Não, não era sangue, ou era, de uma cápsula de bala que saltara da culatra e foi ver, aproximou-se de onde o comandante e outros pegavam na arma do homem que ele supostamente matara. E lá estava, as vísceras de fora, enrodilhadas entre si, o intestino grosso e o delgado e todos os órgãos à volta, macabros, numa evidência de corpo tracejado a bala. E o cheiro a carne, não de fora, mas de dentro da carne, pestilento, onde já nuvens de mosquitos se banqueteavam e em cima, por cima das cabeças deles, os abutres atentos, farejantes da morte em busca do festim. Olhou o homem de pele escura, os dentes brancos agora escondidos sobre os lábios cerrados, os olhos abertos, negros, ainda com um resto de brilho, como vidro, e em volta a córnea amarelada. As mãos abandonadas de palmas voltadas para cima, como se pedisse desculpa ou se oferecesse em sacrifício de uma causa a que Deus?... meu Deus!...
Voltou-se e seguiu em passos lentos na direcção de amigos que o sentiam desfeito. Um esgar de dor em todo o rosto, os membros entorpecidos, névoa no cérebro e uma palavra que repetia em sucessivos estertores da voz:
E agora Manuel António?...E agora....?

14/10/2008

FEZ UM PACTO COM A ALMA

À Teresa no dia do seu 40º aniversário.

Soprava um vento forte com rajadas consideradas de tempestade, que encapelavam as águas quietas do mar.horas antes e agora alteradas, em cristas branqueadas de espuma que enchiam a alma de esperança.
Teresa tinha pelo mar uma paixão especial, desde criança, quando pela mão do pai e da mãe, passeavam nas tardes mornas do Estio ou nas manhãs ainda frias do começo do Inverno. O para lá do horizonte adensado em mistérios na sua imaginação infantil.
Cresceu feliz e sã e tinha sonhos que a acordavam de madrugada em sobressaltos de ser verdade ou impossíveis de acontecer..
Fez-se mulher no seio de uma família unida por laços indestrutiveis de amor. É uma sensação estranha, ser mimada a vida toda. Saber que ali, naquela casa onde dera os primeiros passos, onde fora concebida num acto de amor pleno de duas almas que se amavam como uma só, encontraria sempre abrigo, fosse qual fosse a tormenta da sua alma que se fazia à vida turbulenta como sempre ouvira dizer.
Era uma mulher bonita, esbelta de corpo, alegre e divertida, inteligente e decidida. Era uma mulher apaixonada pela vida, sem medos e agora, debatia-se com a paixão de ser mãe.
Casar ou não casar, como sempre acontecera na família, ou fazer uma experiência e outra, até achar o seu príncipe, o que ela considerasse o melhor pai para um seu filho. Ser mãe!...
Casou e teve um vida atribulada. A vida a dois, sem a proximidade da protecção a que fora habituada. A profissão de professora que escolheu, para ser ela a fonte que formaria novas energias, inocente de saber que lobies importantes não tinham os seus sonhos em consideração. Em cada ano uma colocação diferente, e longe. sempre tão longe de quem amava.
A vida de casada não foi um sucesso. Fazemos sempre ideia diferente do que vemos acontecer ao lado de nós. Viver o acontecimento é completamente diferente. Exige de nós uma adaptação a um outro e do outro igual, mas se não houver essa vontade do outro, os nossos esforços esfumam-se em violentas desilusões.
A paixão não deu lugar a amor. Uma ténue amizade e dor. Problemas complicados sobreviveram e instalaram-se não permitindo a continuidade da relação. A separação provocou agitação em todas as entidades que a animavam. Ela própria sentiu que algo se alterara em si. Sentia iras súbitas e alegrias incontidas, num turbilhão sem sentido que a fragilizava face ao todo que construíra, ou que almejara construir. ser mãe!...
Teresa queria acreditar que a felicidade era possivel, ser mãe e encontrar um homem, o seu príncipe que ela desencantaria ou que a desencantaria a ela, agora que descobrira o seu corpo, que o procurava destrinçar do aglomerado de conceitos que sempre a consideraram perfeita e exímia de sedução.
Casou de novo, com um amor que pensou consolidado em ampla amizade. Um homem que carregava um desenlace de frustrações amorosas, como ela própria e que sonhava uma família para a eternidade.
Teresa sabia agora que as ilusões se desfazem com o correr dos dias, a aproximação de dificuldades, ou a desconexão de pensamentos sobre determinadas matérias.
O ser é feito de conhecimento, de cedências e de absorções estranhas que visam complementar o ser mais. A aceitação do ser, por nós e ou por um outro que queremos de nós, carece de vontades e respeito, de amizade e amor sinceros, gratificantes, livres.
E teve um filho. Uma criança linda e cheia de carácter que expandia luz e amor. Um momento alto de grande felicidade.
Há seres para quem a felicidade parece ser um íman de atracção continuado de parcelas fatídicas da vida. Com a consumação de um sonho, ser mãe, como se a mente ciosa de ter perdido alguma supremacia sobre o corpo, a quisesse desligar da alma que a engrandecia como mulher, sobreveio-lhe um problema , talvez antigo, talvez adormecido, que lhe provocou descontinuações constantes da sua forma de viver feliz.
Teresa vacilou. Deixou que alastrasse, que se evidenciasse toda a extensão e solidez do problema. Questionou. Questionou-se. Procurou mais informação nas mais diversas instância do saber. Desceu ao fundo do corpo, da mente. Agarrou-se à alma que sempre a alentava, a sustinha na deriva que parecia tomar conta dela, por momentos.
Olhou o filho rabino, traquinas que crescia desenvolvido, como o amava!!!...Olhou-se de novo, como se fosse a primeira vez ,para que não a influenciassem olhares antigos de que se sentia traída. Para que não subsistissem dúvidas de si sobre si e agarrou-se à alma, definitivamente, e fez com ela um pacto secreto, para sempre...para ser...sendo...

10/10/2008

DILEMAS DA ALMA - A MULHER E O CANCRO DA MAMA!...

Acreditara na profundidade do que sentia dele, nas palavras e em todo o sentido do seu olhar lânguido onde lia ternura, amor, entrega. Um absoluto de certezas que o saber a induzia mais que o sentir. A razão, o ser. E ela entregara-se vencida, talvez porque queria ter a sua própria vida, afrontar alguém que a prendia ou que ela sentia que a prendia, lhe sonegava a liberdade de viver-se a si própria, errar, vencer, por si ,em si.
_Sra enfermeira...menina...
Olhou a mulher, ainda jovem, 40, 45, não mais, o olhar triste, parecendo vazio, longe do lugar, da sala iluminada pela claridade do dia que rompia da longa noite. Estabelecera com ela uma relação de empatia crescente, extra profissional, fora do que aprendera no curso de enfermeira. Não permitir a intrusão do drama, Não sentir a realidade para que não lhe faltasse a racionalidade das prioridades. Faltava uma hora para sair e embrenhar-se definitivamente em si, ainda que de quando em quando os espectros do hospital se intrometessem como a lembrá-la que era um ser útil. Que fazia falta.
_Estou aqui, diga...
Os olhos nos olhos, uns e outros a aconchegarem-se no alvor de uma nova vida, a interrogarem-se de porquê elas, a cada uma a sua inquietação, o seu percurso.
_A menina tem uns seios tão bonitos. Deixe-me vê-los.
Fez um esforço para conter as lágrimas. Porra, era gente! Escolhera a profissão por se sentir suficientemente forte, ou por desafio a si própria, à sua capacidade, ou limite de ser uma fortaleza do ser que se sentia imerso em submissão.Libertar-se pela dor ou com a dor dos outros onde a sua se diluísse.
Aquela mulher era como um desafio a tudo o que queria da vida. Senti-la plena, no seu próprio interior, na sua alma, era como reduzir a nada o abandono a que se sentira votada por aquele traste que lhe prometera o mundo, o amor eterno, a felicidade a cada instante de ser mulher. O que falhara, se se dera toda? Teria dado demais? Teria ocupado o espaço total do outro que era ele? Mas não é isso amor? Dar-se. O ter e o ser.
Ouvira o cirurgião dizer que iam tentar salvar um dos seios e depois, a cara dele sob a máscara, os olhos inquietos. Lembra-se que ele a olhara por segundos, como a desculpar-se ou a pedir ajuda, o leve encolher de ombros, ainda um compasso de espera e zás, o outro estava contaminado, as raízes do bicho agarradas até onde?...Ficou plana, os olhos fechados, o corpo inerte onde tudo funcionava ainda, como se nada tivesse acontecido ao seu corpo de mulher ainda jovem.
Soltou os seios, pequenos, firmes, de menina já mulher e ficou em frente dela, olhando os olhos dela que a fixavam, passando a língua pelos lábios, as mãos que lhe tocavam, frias, trémulas e as lágrimas de ambas. Deu-lhe um beijo sobre a testa.
_Não estou livre de me acontecer o mesmo. Está viva. Tem de encontrar a tal força dentro de si, de dentro de si e vai ter muita gente a segurar-lhe a mão, vai fazer uma vida normal, como um coxo, um cego, lembre-se, está viva!...
Sentia que eram apenas palavras de alento. A operação tinha sido há seis dias e ainda ninguém viera vê-la. Adoptara-a, a ela, como a única possivel no universo dos que a viveram, dos que abusaram do seu corpo, a usaram como simbolo ou fetiche de todo um mundo de momentos de fantasia.
_A menina sabe bem que o que me espera é a mais sombria solidão. Que ainda não sei como vou sobreviver a ela ou se me deixo ir, lentamente, voluptuosamente embrenhada nesse sentimento lúgubre de não ser, de não querer ser.
_ E o seu marido?
_É como vê. Depositou-me e foi-se. Não sei se o volto a ver. Já lhe sentia a incerteza nos olhos ausentes quando lhe mostrei os exames fatídicos. Não houve muitas mais palavras desde então...
Os olhos dela baixaram ao nível da barreira que sentia erguer-se entre a vida física e a alma.
Um vácuo imenso e sem forças para o percorrer. Um vácuo em túnel de paredes escuras e frias. Vultos brancos, estéreis de matéria, voláteis, em movimentos lentos, em torno da cama, no tecto, em volta do corpo que recusava mover, olhar, sentir...
A enfermeira muito jovem, a paciente ainda jovem, as palavras que se esgotavam, porque não há palavras suficientes. A ânsia de inventar novas palavras. O corpo dela muito jovem, exuberantemente belo, harmonioso, sensual. O corpo da paciente, ainda jovem, mutilado, mas belo, sedutora a alma que sobressaía dos olhos nublados de lágrimas. Os vincos na testa de pele macia, corada de tons amarelados.
_ Talvez eu possa ir morar consigo. Partilhamos experiências. Sou livre de compromissos...por um tempo...não para sempre, claro...
A paciente estremeceu. Ouvira bem? Seriam apenas palavras de ânimo que podiam ou não cumprir-se?
-Bem, a casa era dos meus pais. Morreram ambos com intervalo de poucos meses. O meu marido... vivíamos em comunhão há seis anos. Vínculos precários. A menina seria capaz?
Era um passo gigantesco. Sair de novo de casa dos pais ,mas desta vez sem um projecto normal de ajuntamento de casal, de viver a vida própria. Construir o edifício clássico da família. Ser família. Mas dissera as palavras e acreditava que os impulsos ditados do interior de si, da alma que sentia pujante de verdade, a única verdade, eram afirmações da essência ,do seu ser cósmico. Se não, para que servia ser?
_Sim, sou capaz. Amanhã o doutor dá-lhe a alta e vamos construir algo de novo. As duas...Nada está perdido em si. É preciso reestabelecer a confiança em absoluto do seu poder sobre o corpo.
-_Menina!...minha amiga.
Ficaram abraçadas as duas por largos minutos, misturando lágrimas e afectos vindos do interior em catadupas de suspiros e afagos de ternura.
Era o dia de folga e ela, como qualquer outro utente, esperava no átrio aconchegado de gente que borbulhava de conversas, de atritos com os serviços, com as famílias, a chegada da amiga.
Um raio de sol entrava pela porta vidrada e espalhava sombras pelo espaço em volta. Estava calma, serena a alma e feliz. Quando sorriu ao vê-la, caminhando lentamente, muito direita, como se carregasse algo muito frágil que queria evitar a todo o custo que se partisse.
Abraçaram-se. Sorriram-se de novo e seguiram normalmente o novo rumo.
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É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta. É uma oferta bonita e original de Natal ou Aniversário.

J.R.G.

03/10/2008

O DIA "D" DA ALMA APAIXONADA - O DESFECHO

O meu avô hoje levou-me ao parque para um dia especial. Disse que eu ia participar na parte final de uma história que ele escreveu com muito amor. Estou contente e curiosa de ver e sentir o escrever da história contada pelo meu avô querido.
Estou a andar no baloiço que eu gosto muito e vejo entrar um menino que parecia um príncipe e que eu nunca tinha visto brincar neste parque.
O menino vinha com um homem de olhar triste e que parecia ter estado a chorar. Devo dizer que o menino tinha um olhar ainda mais triste e eu franzi a testa, curiosa, porque estou muito habituada a ver os meninos e meninas muito felizes e risonhos nas brincadeiras.
Fui ter com o menino e perguntei como se chamava e ele disse que era Bernardo e baixou os olhos para o chão, de braços caídos, como quem espera que o levem, ou lhe tragam algo que perdeu.
_Bernardo, queres andar no meu baloiço?
Ele disse que sim com a cabeça e encolheu os ombros em simultâneo. Agarrei na mão dele e levei-o para o baloiço. O pai dele,de olhos tristes, ficou a olhar embevecido e ausente, como se a visão do filho fosse uma miragem.
_ E tu, como te chamas?
_Eu sou a Tita, mas na história sou a Princesa do amor "Criz"
_O menino sorriu avô!...
Eu disse ao Bernardo que estava no parque com o meu avô e perguntei quem era aquele senhor que estava com ele. O Bernardo disse que era o pai dele. Que ele gostava muito do pai.
_ E a tua mamã? Perguntei curiosa por ele não falar da mamã.
O bernardo encolheu-se todo e baixou a cabeça. Os olhos ficaram ainda mais tristes e disse muito baixinho que a mamã dele tinha partido. Não sabia se voltava. E tinha muitas saudades de estar com ela, de a ter. E desatou a chorar.
O pai aproximou-se e pegou no Bernardo fazendo.lhe festas na cabeça de cabelos castanhos. E eu disse.
_Não chora, Bernardo, vais ver que a tua mamã não partiu. Eu sou a Princesa Criz,do amor entre os meninos e vou fazer uma magia.
E fiz uns gestos no ar com uma varinha imaginária. E disse umas palavras que eu dizia serem mágicas. E abracei o Bernardo que deixara de chorar e dei-lhe um beijinho e um abraço forte.
_Vamos jogar a bola?
Mas o Bernardo já não me ouvia, um sorriso lindo, enorme deixava ver uns dentes lindos e certinhos, tão brancos como os meus. Os olhos dele iluminaram-se de uma luz maravilhosa como eu só vira, ainda num sonho que tive.
_Mamã!...
Eu vi o Bernardo correr para uma senhora muito bonita, que também parecia uma Princesa. Vestia um vestido azul bebé e tinha um sorriso do tamanho do mundo. Os olhos tinham lágrimas e eram grandes. Pegou no Bernardo com uma alegria que parecia o meu avô quando está uma semana sem me ver.
O pai do Bernardo ficou parado onde estava, a ver o filho correr e disse apenas, com os olhos muito abertos-
_Cristina!...
Fiquei a saber que a mamã do Bernardo era Cristina. E que por qualquer razão tinha partido.
E que por qualquer outra razão tinha voltado.
_Avô, é o fim da história?
_Não meu amor, nas histórias da vida não há fim, aprenderás pelo tempo.
_Ainda bem, disse eu.
E fiquei pensativa a ver como a Cristina abraçava o Bernardo e o pai dele e ouvia a voz do Bernardo a dizer " mamã, papá, vamos brincar.
Um homem que parecia o meu avõ olhava também ele a cena da Cristina reunida à família, como se fosse parte do elo que os fazia caminhar numa direcção única.
_Avô, quem é este?
_ Um mistico, Anastácio Bandarra, um poeta.
_Avô e o que é um poeta?...
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É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.

J.R.G.

27/09/2008

O DIA "D" DA ALMA APAIXONADA - Parte (III)

Cristina subiu ao quarto em passo rápido para que quando Samu chegasse já estivesse pronta, para evitar que subisse, que precipitasse os acontecimentos, o que se previa e não lhe desse tempo de pensar de refazer de dentro de si as emoções que vivera nas últimas horas e resolver as dúvidas que se instalaram.
Tomou um banho rápido e trocou de indumentária. O vestido agora era de tom rosa claro. Colocou uma cor no rosto para afastar a nuvem negra que sentia junto aos olhos.
Tinha a plena convicção que iria haver sexo. Para Anastácio Bandarra não. Ele dizia que era possivel amar alguém intensamente, viver com esse alguém sem uma permuta de sexo. Amar só. Vitória achava essa ideia de Bandarra o máximo do seu pensamento extrovertido.
Olhou-se ao espelho grande da casa de banho e sorriu. Sentia-se tão eufóricamente decidida. Tudo apontava para dar certo.
O telefone. Era da recepção a anunciar Samu.
_Desço já.

Porque me tremeu a voz? Que desassossego é este que me torna um empecilho de mim própria? É como se me visse do lado de fora de mim e me achasse numa situação ridícula e vazia de significado na distância posterior do tempo. Como se me visse mais além, não já eu, ainda, mas uma outra de mim, em equilíbrio, serena e confiante, feliz.
Abraçaram-se e ele beijou-a levemente nos lábios trémulos que ele julgou de prazer. O abraço forte e ela frágil a deixar-se conduzir, a confiar-se naquele colosso do saber.
Jantaram no restaurante do hotel e falaram de projectos. O divórcio dela. o filho de 3 anos que adorava o pai, quase 3 anos. E se ele se obstinasse e litigasse a posse do filho?
Por ele, Samu, Cristina podia ver nele um pai terno e abnegado, porque era filho dela e ele amava-a. Amaria o seu filho, educá lo-ia como um bom pai.
Cristina sorria. Aos poucos ia ganhando confiança em si própria. Soltava gargalhadas do jeito burlesco como ele falava do mundo das palavras.
Estava decidida. Logo que ele Samu lhe propusera que casassem, que partilhassem o projecto comum do consultório de consulta e apoio matrimonial, lhe confessara que a amara sempre, que a amava como uma alma única em todo o Universo.
Fez-se um silêncio. Cristina não pôde deixar de pensar em Anastácio Bandarra e nas palavras proféticas, " ninguém te amou nunca como eu te amei" "amarte-ei sempre"..."amarte-ei sempre"... a martelar as frontes latejantes.
_Passa-se alguma coisa, Cristina, meu amor.
_ Não Samu, desculpa, foi uma nuvem de excesso de emoções do dia. Se houvesse um sitio para dançar, descontrair...
As mãos dele nas dela, como elos de uma cadeia que se iniciava.
O hotel tinha um espaço de dança que se situava no topo do edifício de 12 andares. A vista sobre a cidade, as luzes trémulas do vento fraco que fazia, ou do rumor dos carros que subiam e desciam incessantemente. Beijaram-se nos lábios, as línguas numa ânsia de procura, mas Cristina estava apática e não se conhecia. Rígida, inflexiva. A música era agradável, descontraía. Talvez ajudasse à descompressão que a comprimia de si em si e para si, do todo de si.
Fechou os olhos enquanto deambulavam ao ritmo da música, o rosto dela no peito de samu.E era o Bandarra, a figura patética de um homem encanecido que ousara acreditar numa nova oportunidade da vida, um amor de tipo novo que ela lhe induzira. Mas as palavras martelavam o cérebro e era como se espetasse pregos ou cavilhas. " O grande problema da tua vida, da tua inconstância, do teu desassossego, é o teu pai" Sentia lágrimas e não podia. Parou, disse que ia à casa de banho e adiantou a passada com elegância.
O pai, a figura terrifica que a atormentava desde a infância, bater na sua mami, no irmão e nela própria, violentamente e as palavras, Oh Deus!...o abandono. A coacção psicológica. A escolha a que se vira obrigada. O Bandarra disse-lhe que queria ajudá-la a vencer esse trauma e ela dissera que não era um problema, que o problema era amor, sentir-se amada de uma forma diferente. Mas era. Sentia que era e questionava-se se estaria a fazer, de algum modo, o mesmo com o seu filho. Bernardo!...
Voltou ao salão já refeita, os olhos brilhantes pareciam de emoção. E saíram. Samu acompanhou-a na subida ao quarto e ela estava disposta a deixar-se possuir. Mas já não era fogo o que sentia.
Ele beijou-a de novo à entrada do quarto, envolveu-a com os braços possantes. Os olhos dele, o sorriso, o cheiro. As mãos que a despiam peça a peça até que o corpo se viu como era, a alma adejando por sobre ela indefesa. Sentia-se indefesa e não era um príncipe aquela figura imensa que a cobria de bruma. Passou as mãos pelos olhos, suspirou suavemente enquanto ele, agora ávido do desejo à tanto contido se despia atabalhoadamente, enquanto a cobria de beijos.

Não...Sai... Perdoa tudo de mim, mas sai... e saltara da cama refugiando-se atrás do reposteiro sombrio da janela grande do quarto.
Ficou quieta, tremendo mas firme, até que Samu saiu, surpreendido e praguejando sobre o desfecho de todo imprevisto.
Cristina serenou e submeteu-se à água morna do jacuzzi. Chorou convulsivamente. Chorava e ria. Vencera em toda a linha. A sua alma vencera sobre a intempérie que lhe sobre vinha desde a infância. Bernardo, meu filho, meu príncipe.
Na rua deserta, hora tardia, um homem, uma figura desajeitada, mostrando alguma inquietação, em frente da porta do hotel, do lado de fora, dava passos timidos e descontrolados, como uma sentinela de quartel, de olhos atentos á entrada e saída de pessoas. Era Anastácio Bandarra. Fumava cigarro sobre cigarro e no cérebro apenas um ideia. "Não". O seu cérebro parou nessa palavra de três letras, como a palavra pai, ou a palavra mãe. Era um "Não" intransigente. Suficientemente forte para vencer todas as barreiras. A noite fria não o incomodava. Ficaria até de manhã. Mas era apenas "Não", a palavra incómoda que lhe afluía.
Olhou mais uma vez a porta luxuosa do hotel que se abria e viu a figura dobrada de Samu que saía bufando em meneios desesperados de todo o corpo. Um sorriso. Fechou o punho e gritou. Venceste Cristina! Venceste Cristina! E rodopiou numa dança exótica sem música nem ritmo e seguiu sem rumo, avenida abaixo, cantarolando uma canção de amor desconhecida...
continua...
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É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.
Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.
Aguardo a vossa proposta.

J.R.G.

23/09/2008

O DIA " D " DA ALMA APAIXONADA -Parte II

..Para Samu era um dia fabuloso de glória. Não fora ele que a seduzira, que a procurara especificamente, singularmente, fora ela que viera, se despira de preconceitos e lhe confessara as desditas da sua vida sem rumo e lhe dissera que o amava e que queria consubstanciar essa paixão que sentia diluir-se em amor profundo e continuado, num projecto duradouro rumo ao sonho de ser feliz. Apaixonara-se das palavras que ele editava em espaço publico.
Ele recusara a facilidade das soluções que ela determinava. Era ela quem queria dominar. Dirigir uma relação que ela impunha porque só podia ser verdade que ele a escolhera, ou que através dele alguém ou algo os escolhera para seguiram juntos e amantes.
Fez-se mouco. Sentia que ela era uma alma poderosa, inquietante, sedutora para o estudo que se propusera das almas superiores, mas teria de a por à prova, fazê-la esforçar-se por acreditar consistentemente. Não podia ser como um devaneio. Queria que fosse algo intrínseco, inabalável estruturalmente pleno em toda a sua essência. E estava à beira de o conseguir. Insistentemente foi moldando a personalidade dela, desfazendo certezas. Alimentando convicções que ela transformava em certezas mas já não as dela ainda que lhe parecessem dela.
Seduzira-a na alma e em toda a matéria do corpo com as palavras que lhe escrevia em directo ou subliminarmente, mais estas últimas, as interpostas nas entrelinhas dos textos que lhe redireccionava ao interior da mente. Ele não considerava este método como de manipulação das almas, preferia defini-lo como uma indução consciente à consciencialização das almas.A Psicologia da alma. Ele rebatia as pretensões dela e alimentava o sonho. Indicava caminhos em que ele aparecia distante. Distanciava-se do sonho. Mas era ele o próprio sonho. Agora Sorria. Um sorriso estranho. Enquanto fixava a beleza daquele corpo que se desfazia em simpatia, em sorrisos abrangentes e olhares receosos. E dizia-lhe com os olhos que nada temesse.
Finda a sessão, em verdadeira apoteose emotiva, combinaram encontrar-se no Hall do hotel onde ela se hospedava.
Cristina seguia ao lado de Vitória de rosto fechado, sorumbática, evasiva e distante. Vitória respeitava o seu silêncio.
Anastácio Bandarra era o outro por quem Cristina se apaixonara ao ler as palavras que ele escrevia numa das publicações da cidade e que lhe pareceram tão iguais na forma, na substancia e no sonho que as envolvia.
Anastácio Bandarra era um homem conhecido pelas suas predições alucinadas sobre os tempos que ai vêm. Era um apaixonado de tudo o que cheirasse a fêmea, até bosta de vaca!.. era uma delicia de aroma, porque no feminino..Falava do amor ao outro com uma paixão inusitada que confundia as almas carentes. Ele próprio era um homem carenciado de afectos, mas de seu, só tinha as palavras. Cristina lembra-se de quando ele lhe dissera que era mentira a ilusão que o Sol e a lua se possuíam a quando do eclipse. Era apenas sombra, dissera . Ainda que parecesse, que nos transmitissem essa ilusão afrodisíaca, estavam a milhões de anos luz de distancia. O Sol e a Lua nunca se tocam, amam-se, mas não se tocam. Porque pensava agora nele se decidira que não queria lembrar mais esse devaneio?
_Gostei da festa, estavam todos tão alegres!...
Vitória olhou-a de lado e fez um gesto com os ombros, um piscar de olhos incrédulos.
_Cristina!...Mas tu estiveste na festa? No interior da festa?...
_Vitória, diz-me: Achas que olhar de baixo para cima é o mesmo que olhar de cima para baixo?
_Olha que eu estou a conduzir!...Se continuas com essas perplexidades metafísicas ainda me descontrolo...
_ Desculpa...
E voltou ao silêncio, a Anastácio Bandarra, Bandarra era alcunha, foi o que ele disse quando lhe perguntou se era nome de gente. Advinha dum seu costume de juventude de imaginar os acontecimentos do presente, valendo-se dos conhecimentos do passado. Sorriu. Sem querer, surgiu nos seus lábios, um sorriso erradio, como um gesto desavindo de si, do interior do ser.
Tão parecidos e tão distantes. Quisera vê-la um dia que ficara na cidade. E ela pretextou a sua concepção de infidelidade. Que o amava demasiado profundamente para resistir a um encontro. Que se iriam envolver irremediavelmente em actos de sexo e ela não queria trair o ainda seu marido. Mentira-lhe. Só o amava na ilusão das palavras. Era um devaneio, algo que esse algo misterioso interpusera no caminho da sua alma sofredora, para que definitivamente se decidisse. Estava convicta que tomara a decisão certa.
Chegaram e Vitória disse-lhe que estava atrasada. Se ficava bem. Se precisasse desse-lhe um toque, dentro de uma a duas horas estaria disponíuvel.
Vitória, tão bela, misteriosa, enigmática de um secretismo que a envolvia numa aura transparente mas brumosa, sedutora.
_Não amiga. Fico bem, vou tomar um duche e passar em revista tudo o que vivi hoje.
_E o Samu?..
_Logo se vê!... e riu-se despudoradamente em frente da porta do hotel, do lado de fora.

continua...